Entonces, em Ipanema, Rio…

Por Mario de Almeida* Quando, na noite de 2 de setembro de 1961, o povo reunido defronte ao Palácio Piratini descobriu que João Goulart …

Por Mario de Almeida*
Quando, na noite de 2 de setembro de 1961, o povo reunido defronte ao Palácio Piratini descobriu que João Goulart aceitara a solução parlamentarista - e assim encerrava o movimento da Legalidade - começou a gritar em coro": "Co-var-de, co-varde". Flávio Tavares, em seu livro "O Dia em que Getúlio matou Allende e outras novelas do poder" diz ter sido esse "covarde" uma das palavras com que o povo reagiu ao gesto de Jango. Flávio, que me confessou ser, hoje, um militante do Partido do Afeto, ouviu, como eu, que também estava lá, uma palavra chula, que nunca vi reproduzida em relato algum, predominava no grande coro popular. Como, naquele início de madrugada, não acompanhei o coro, calo-me de novo.
Na noite de segunda-feira, 31 do mês passado, cheguei cedo à Livraria da Travessa, em Ipanema, para o lançamento desse livro do Flávio e encontrei outro "madrugador": Leonel de Moura Brizola. Nosso papo trouxe de volta recordações da Legalidade e o "Comandante", como era tratado naquele agosto de 61, reiterou sua posição de quase 43 anos, ou seja, presidencialismo ou confronto. Enumerou todas suas convicções de que a Legalidade - respeito à Constituição - seria vitoriosa em quaisquer circunstâncias. Eu concordei, pois sempre achei a mesma coisa.
A gauchada foi amarrando seus cavalos no obelisco que o arquiteto Paulo Casé plantou há anos, na grande reforma de Ipanema e, de repente, dei-me conta que havíamos esquecido cuia e mate. Lembrei-me que já fui repórter e comecei a registrar nomes dos "nativos" lá presentes: Múcio de Castro Filho, irmão do meu querido Tarso, que "tomou a saideira" muito cedo. Múcio, de Passo Fundo, alterna-se na cidade natal, onde dirige o jornal O Nacional, e no Rio, onde edita livros de luxo. Da mesma cidade, Paulo Totti, que, quando secretário de redação da Última Hora gaúcha, eu chamava de "Véia Coroca". Estava lá outro velho amigo, o jornalista José Silveira (esse de Livramento) que, com Tarso, editava no Rio, até o golpe de 64, o Panfleto, de Brizola, dirigido por Paulo Schiling. Radicado em Brasília há tempos, também marcava presença um dos pioneiros da indústria de informática no Brasil, Guilherme Job, primo do meu saudoso amigo João Alberto Job. Com Yara Vargas, sobrinha de Getúlio, amicíssima de minha amicíssima Olga Reverbel, comentei que a nossa Olga trocou Portinho por Santa Maria e, pois, não a vejo há muito.
Paulo José, enxuto e elegantérrimo, levou Kika Lopes, a diretora de cinema, cenógrafa, decoradora e figurinista - sua mulher - para participar do lançamento. Paulo José e os 4 irmãos, mais a mãe, Carmen, continuam administrando o Cerro Branco, em Lavras, estância onde o velho Arlindo, hoje uma saudade, me escondeu em 64. Lá é o retorno deles, sempre que podem, às bombachas.
Não sou gaúcho, mas podia. O que havia de "estrangeiros" no bolicho de livros é incontável. Só de jornalistas, o pernambucano Milton Coelho da Graça, o baiano Sebastião Nery, o alemão-carioca Fritz Utzeri e a esposa bióloga, Liege, casal amigo e ex-vizinho. Millôr Fernandes, Zuenir Ventura, a ex-juíza (a que encanou os bicheiros), deputada federal Denise Frossard, a grande figura de Lúcio Abreu, hoje no SEBRAE e mais muita, muita gente. Ouvi o papo programado do Flávio com outro exilado, o poeta, jornalista, crítico de artes, Ferreira Gular. E conheci um estrangeiro de fato: Camilo Tavares, 32 anos, filho do Flávio, nascido no México e, hoje, cineasta de documentários, com residência em São Paulo. O "cobra", inclusive, reside no Butantã.
Não pude ficar muito tempo e tenho certeza que deixei de registrar presenças de peso, além das pessoas que não conheço.
Já li o livro e recomendo, sem medo de pragas a posteriori. Não fosse pelo talento e vocação do jornalista-escritor, no mínimo pela generosidade da dedicatória que valoriza meu exemplar. Pode parecer imodéstia, mas a única maneira de tornar pública a total reciprocidade de sentimentos é transcrever essas palavras: "Ao Mario de Almeida, querido amigo velho, de anos de luta e afetos, com a amizade do Flávio Tavares".
* Mario de Almeida é jornalista, publicitário, dramaturgo, autor de "Antonio?s, caleidoscópio de um bar" (Ed. Record), "História do Comércio do Brasil - Iluminando a memória" (Confederação Nacional do Comércio) e co-autor, com Rafael Guimaraens, de "Trem de Volta - Teatro de Equipe" (Libretos).
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