Nas
entrevistas
,
aqui
na China, o
repórter
contenta-se muitas
vezes
em
se
referir
a uma
pessoa
de
forma
imprecisa
.
Por
exemplo
, um
homem
de sobrenome Wu disse
isso
ou
um
alto
funcionário
disse
aquilo
. Mas
quando
se
trata
de
um
gerente
de
banco
, de
um
diretor
de
multinacional
ou
de uma
autoridade
, o
nome
e a qualificação
profissional
aparecem
como
em
outros
jornais
de
prestígio
do
resto
do
mundo
. A
verdade
é
que
,
aqui
,
com
freqüência, a
maior
parte
da
população
não
conta
em
termos
jornalísticos
.
Da
mesma
forma
, ao
apurar
uma
notícia
, os
repórteres
,
por
preguiça
ou
por
cultura
jornalística
,
não
se preocupam
em
equilibrar
a
narrativa
, trazendo
perspectivas
diversas. Uma reportagem,
por
exemplo
,
sobre
a
cobrança
de
energia
elétrica
nos
dormitórios
das universidades,
entrevista
um
representante da
empresa
de eletricidade e o
reitor
, e
tanto
um
como
o
outro
anunciam a
decisão
tomada
. Os
estudantes
não
aparecem e
são
eles
que
vão
pagar
a
conta
. E
eles
são
12
milhões
,
quase
todos
eles
morando
dentro
do
campus
e pagando,
até
agora
, uma
quantia
ainda
razoável
para
comida
e
alojamento
.
Eles
estão
ausentes
da reportagem.
Por
que
o
repórter
não
entrevistou os
estudantes
? Ah, e
precisa
?
Sim
,
cara
pálida
,
precisa
!
Nos
últimos
tempos
,
porém
, a
abertura
econômica
tem repercutido
também
na
mesmice
de
alguns
jornais
ou
na
mesmice
de
alguns
noticiários
de
televisão
.
Obrigados
a se comportarem pelas
regras
do
mercado
,
muitos
jornais
começam a
rever
seus
conceitos
de jornalismo.
Não
só
pela
sua
inserção
em
um
jogo
de
forças
mais
complexo
mas
também
porque
outras
forças
ocupam os
terrenos
baldios
da
opinião
pública
.
Uma
empresa
,
por
exemplo
,
descontente
com
uma
cobertura
jornalística
pode
pressionar
o
jornal
,
não
interessa se
com
razão
ou
sem
razão
. Interessa,
isso
sim
,
que
ela
tem
espaço
e possibilidade de se
manifestar
,
até
mesmo
por
via
judiciária
.
Já
os
jornais
,
conscientes
de
seu
poder
e
fragilidade
, começam a
descobrir
conceitos
como
o de
responsabilidade
jornalística
.
Finalmente
, as
novas
tecnologias criaram
um
fórum
de
discussões
nacionais
,
especialmente
entre
os
mais
de 110
milhões
de
usuários
de
internet
ou
entre
os 400
milhões
de
usuários
de
mensagens
curtas
pelos
telefones
celulares
.
Esse
fórum
virtual
parece
ter
forças
para
transformar
um
pouco
a China e as
autoridades
ligadas
ao
setor
de
rádio
e
televisão
sabem disso.
Vamos
citar
três
exemplos
, noticiados
em
três
dias
diferentes
.
Jornais de
hoje
Diversos
jornais
noticiaram
que
dois
jornalistas
econômicos
tiveram
seus
bens
colocados
em
indisponibilidade em
um
processo
aberto
contra
eles
pela
Hongfugim Precision Industry Co, que faz
equipamentos
para
a iPod
em
Shenzhen. Os
dados
de uma reportagem
sobre
condições
de
trabalho
na
empresa
(
baixos
salários
e
mais
de 12
horas
de
trabalho
por
dia
) foram considerados
improcedentes
e a Hongfujim, do Foxconn Technology Group, pediu US$ 3,75
milhões
de
indenização
aos
dois
jornalistas
, o
que
corresponde a mais de 600
anos
de
trabalho
contínuo
, nas
suas
curtas
carreiras
.
Apesar
do
juiz
ter
aceito indisponibilizar os
bens
dos
jornalistas
, o
consultor
legal
da
Rádio
Nacional
da China, Xu Xun, afirma
que
em
um
julgamento de 1993 a
Suprema
Corte
da China afirmou
que
são
as
empresas
jornalísticas
que
devem
ser
acionadas e
não
os
jornalistas
individualmente
.
Jornais de
ontem
O
departamento
de
televisões
comerciais
da
Administração
Estatal
de
Cinema
,
Rádio
e
Televisão
da China (AECRTC) decidiu
ontem
investigar
diversas reclamações recebidas
sobre
um
comercial
exibido
em
canais
via
satélite das
províncias
de Shaanxi, Shanxi e de Hebei. No
anúncio
,
homens
de
negócios
contam
vantagens
sobre
uma
nova
droga
para
aumentar
a potência
sexual
que
os transforma
em
garanhões
irresistíveis
na
cama
.
Jornais de
anteontem
E
anteontem
, no
terceiro
caso
, a
jornalista
do China Daily, Li Xing, contava
sobre
o
jornal
de Guanzhou, no
sul
da China,
que
sugeriu numa reportagem
que
as
melancias
produzidas na
região
tinham sido contaminadas
com
uma
injeção
de "hongyaoshui",
que
literalmente
significa "
água
medicinal
vermelha
",
para
apresentarem
um
aspecto
mais
saboroso
e
cores
mais
vivas
. A
notícia
espalhou-se
por
todo
o
país
,
conta
Li Xing,
inclusive
em
Hong Kong,
que
decidiu
suspender
a
aquisição
de
mil
toneladas
de
melancia
,
apesar
da
insistência
dos
plantadores
,
que
afirmavam
sobre
a
inutilidade
de uma
injeção
como
essa,
por
ser
insensata
nessa
ramo
de
negócios
.
Não
adiantou, os
pedidos
foram suspensos,
com
prejuízos
de US3,8
milhões
. E
quem
vai
pagar
essa
conta
?
Dos
três
casos
,
dois
tratam do
próprio
trabalho
do
jornalista
e o
terceiro
, da
reação
do
público
diante
de
anúncios
de
publicidade
mostrados na
televisão
.
O primeiro começou no
dia
15 de
junho
,
com
a reportagem intitulada "
Trabalhadores
da Foxconn: as
máquinas
obrigam
vocês
a
trabalhar
12
horas
por
dia
". A iPod lançou uma
investigação
,
pois
se tratava de
um
trabalho
terceirizado
para
ela
. A Foxconn deu uma
entrevista
coletiva
uma
semana
depois
, convidando
jornalistas
para
visitarem a
fábrica
e examinarem,
eles
mesmo
, as
condições
de
trabalho
da
empresa
. No
dia
30 de
junho
, os
diretores
reclamaram
oficialmente
ao
jornal
, pedindo
que
fosse suspenso
esse
tipo
de reportagem, e no
dia
4 de
julho
entraram com
processo
contra
os
jornalistas
,
por
não
terem sido atendidos
pelo
jornal.
O
segundo
caso
, o das melancias contaminadas, parece
mais
claro
,
com
análises
aqui
e
ali
sobre
o
trabalho
dos
jornalistas
.
Por
exemplo
, os
repórteres
não
entrevistaram
bioquímicos
,
médicos
,
autoridades
da
área
da
saúde
ou
feito
análise
do
material
recolhido. A reportagem foi
baseada
em
reclamações de
alguns
consumidores
locais
, usando
apenas
seus
nomes
,
sem
qualificação
profissional
.
Cada
um
deles deu uma
versão
diferente
dos
aditivos
.
Para
uns, eram
produtos
químicos
para
amadurecer
as
melancias
mais
depressa
.
Outro
,
sem
sobrenome
, disseram
ter
levado
amostra
para
ser
examinada
por
um
especialista
,
cujo
nome
não
foi fornecido,
que
trabalha
em
uma
instituição
não
determinada
, e
que
depois
de
alguns
testes
o
resultado
apontou
para
,
talvez
,
um
colorante
. Os
gerentes
do
mercado
local
, diz Li Xing, foram entrevistados
para
trazer
algum
equilíbrio
.
Um
deles disse
temer
que
algum
produto
químico
estivesse sendo injetado nas
melancias
,
para
que
ela
amadurecesse
mais
depressa
,
enquanto
o
outro
falou
que
isso
era
impossível
,
pois
as
injeções
estragariam as
melancias
,
com
efeitos
negativos
sobre
as
vendas
.
No
terceiro
caso
, envolvendo a
publicidade
, a
reação
foi dos telespectadores: operava
com
o
conceito
de
moralidade
, dizendo
que
uma publicidade
como
essa - de
homens
se gabando da
potência
turbinada de
suas
máquinas
-
era
uma
falta
de
vergonha
. Muitas dessas reclamações, enviadas ao
órgão
regulador
de
cinema
,
rádio
e
televisão
na China, tinham essa coloração. Acontece
que
o
anúncio
tinha
sido colocado no
ar
menos
de
um
mês
depois
de a AECRTC ter
banido
da
televisão
e do rádio
anúncios
de
perda
de
peso
e de
aumento
de
seios
e de
outros
produtos
de beleza,
por
não
respeitarem os
direitos
do
consumidor
e serem
nocivos
à saúde:
em
maio
, o
produto
Ao Mei Ding, fabricado
pelo
laboratório
Fu Hua, foi retirado de
circulação
.
Ele
prometia
um
aumento
grandioso
de
seios
e das 300
mil
mulheres
que
fizeram o
tratamento
, muitas delas tiveram de
fazer
mastectomia
por
reações
adversas.
Mudanças
Parece
que
, na China, tendem a
desaparecer
expressões
confusas
como
"uma
fonte
altamente
responsável
", "um
alto
dirigente
", "
um
agricultor
de
sobrenome
Bo", "Dizem
que
", "
um
jornal
de Shanghai", "Espera-se
que
essa
medida
", "fontes noticiosas indicaram", "
um
jornal
de Hong Kong disse",
entre
outras. Claro,
isso
não
é
privilégio
dos
jornais
chineses.
Quem
leu hoje o New York
Times
, o Le Monde, o El
Pais
ou
La Repubblica observa muitas
fontes
não
determinadas recusando-se a ter
nome
.
Elas
são
de muitas
origens
,
CIA
,
Secretaria
de Estado dos
Estados
Unidos, diplomatas,
bandidos
,
vítimas
,
crianças
,
mas
tratam de
problemas
mais
sensíveis
e
não
aparecem
com
tanta
freqüência.
Esse
artigo
defende
então
a
necessidade
de
um
jornalismo
mais
responsável
, ao
estilo
ocidental
?
Deixa
disso,
cara
pálida
!
Quem
disse
que
os
jornais
ocidentais
são
responsáveis
? Pretendemos,
aqui
,
simplesmente
constatar
que
as
novas
relações
capitalistas
dentro
da China estão sacudindo os
conteúdos
da
imprensa
e
que
muita
coisa
ainda
está
para
ser
feita
. Os
exemplos
referem-se ao
trabalho
jornalístico
no
caso
das
melancias
e no
caso
do
laboratório
farmacêutico
e da
moral
e
opinião
pública
, no
caso
da
publicidade
.
Isso
mostra
que
há
muito
mais
coisa
a
ser
discutida
sobre
os
meios
de
comunicação
na China,
que
vivem na
encruzilhada
da "
comercialização
dos
mídias
com
características
chinesas".
E pur
si
muove!