Evaldo Gonçalves, em memória de um amigo inesquecível

Por Emanuel Mattos Evaldo José da Silva Gonçalves nasceu no dia 16 de fevereiro de 1940. Também faria aniversário hoje se estivesse entre nós. …

Por Emanuel Mattos

Evaldo José da Silva Gonçalves nasceu no dia 16 de fevereiro de 1940. Também faria aniversário hoje se estivesse entre nós. Mas uma doença raríssima o levou, às 5 horas do dia 15 de dezembro de 2004, no Hospital São Francisco, da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. Ele trabalhou no jornal Zero Hora nas décadas de 1980 e 1990, na editoria de Esportes e no ZH Zona Norte.


Sua morte súbita foi tão chocante - apesar de 64 anos ele parecia ter 20 a menos - que vários de seus companheiros escreveram artigos a seu respeito.


Tive por ele um carinho especial, uma vez que meu primeiro emprego com carteira assinada, em 12/12/1967, foi no Unibanco, fusão do Banco Agrícola Mercantil (onde Evaldo trabalhava) com o Banco Moreira Salles. Lá nos conhecemos. Tinha então 16 anos, ele estava com 27. Eu integrava a seção  "Depósito sem Limite", ele a "Ordem de Pagamento", setores vizinhos, que ficavam no sub-solo do prédio da rua 7 de Setembro, no centro da capital.


Ele já estudava Comunicação na PUC, eu mal iniciava o que hoje se denomina segundo grau. As diferenças eram grandes, mas nossa empatia foi imediata.


Quando soube que eu pretendia ser jornalista, pediu para ver um texto meu. Mostrei, todo envergonhado. E ele disse, sem cerimônia: "Tu já estás pronto, nem precisa entrar na faculdade". De fato, embora tenha passado no vestibular da PUC, em 1973, já no ano seguinte fui contratado pelo editor de Esporte, Antônio Oliveira, por indicação do próprio Evaldo, seu colega na Famecos, para estagiar na Zero Hora. Tive um início tão fulminante que sequer conclui o curso.


Já estava há algum tempo na reportagem quando o Evaldo iniciou na profissão. A partir daí, nossa relação se solidificou. Estivemos juntos praticamente todos os 16 anos em que atuei na RBS - à exceção do Diário Catarinense, cuja equipe ajudei a contratar, treinar e lançar aquele veículo, em 5 de maio de 1986. O Evaldo aceitou ceder dois integrantes do esporte amador, que comandava: Jakzam Kaiser e Breno Maestri, hoje com sólidas carreiras em Florianópolis.


De retorno à Zero Hora, em 1987, uma das tarefas que recebi foi criar o primeiro jornal de bairros - o ZH Zona Norte. Tive carta branca para formar a equipe. Entre todos os profissionais disponíveis, escolhi o Evaldo para ser o primeiro editor do suplemento, até porque ele morou toda a vida naquela região, na rua Vilela Tavares, próximo à avenida Ceará e da rua Benjamin Constant.


Em 1989, fui demitido por um ex-assessor da ditadura militar, pelo "crime" de ter assinado um manifesto em favor da candidatura de Lula à Presidência, na eleição em que a RBS apoiava Fernando Collor. Entrei na justiça do trabalho contra a ZH. E ganhei fácil, sem que a empresa sequer recorresse, pois revelei a falcatrua: um dos proventos que recebia - exatamente pelo ZH Zona Norte - era pago pelo Caixa 2 da RBS, e uma pessoa de fora assinava recibo em meu lugar.


Durante o julgamento, embora fosse funcionário de ZH, o Evaldo aceitou ser testemunha a meu favor na Justiça do Trabalho, gesto nobre e corajoso, uma prova de seu imenso caráter. O que lhe custou caro, pois perdeu o cargo de editor do ZH Zona Norte e depois foi demitido. Raros teriam feito o mesmo.


Um de seus maiores legados foi ter sido fundador da "Confraria da Caveira", junto comigo e com o Nico Noronha, atual correspondente da Pelé.net, hospedada no site UOL. Tivemos a idéia em um intervalo de almoço, na rua Getúlio Vargas. A Confraria ganhou fama porque, na primeira reunião de cada ano, os integrantes faziam a previsão de quem iria morrer. Era divertido, pois a gente incluía nomes, não de quem estava pela bola 7, mas de nossos desafetos.


O Paulo Sant"Ana, que chegou a participar da janta de fundação, afastou-se algum tempo, mas quando soube que seu nome vinha figurando nas listas, voltou a frequentá-la. É que não valia colocar os presentes na relação. Bem esperto o Sant"Ana?


A Confraria da Caveira praticamente foi esvaziada depois que o primeiro de seus integrantes morreu. Justo o Evaldo, meu dileto amigo, que se hoje fosse vivo completaria 69 anos. Ficou uma saudade imensa desse aquariano autor de frases, entre as quais uma delas jamais esqueci: "Na cama não há segredo", para explicar por que os casais sempre dividem as informações. Ou então, cada vez que ouvia uma história espantosa, repetia solene: "Que fim de século!"


Evaldo José da Silva Gonçalves era seu nome. Mas viveu como um anjo. E os anjos a gente não esquece jamais. Até porque eles sempre estão entre nós.

Imagem

Comentários