Fórum: lado bom e lado ruim?

Por Rafael Guimaraens* Em primeiro lugar, um alerta. Quem escreve é alguém que acha o Fórum Social Mundial, com todas as suas imperfeições, incongruências …

Por Rafael Guimaraens*
Em primeiro lugar, um alerta. Quem escreve é alguém que acha o Fórum Social Mundial, com todas as suas imperfeições, incongruências e excentricidades, a melhor coisa que aconteceu nos últimos anos no sentido de melhorar o planeta. Tenho um profundo orgulho de que isso tenha se iniciado em nossa cidade. Hoje em dia, qualquer cidadão razoavelmente informado de qualquer lugar do mundo, concorde ou não com as idéias do Fórum, conhece Porto Alegre e tem uma idéia positiva da cidade.
Portanto, quem vai continuar lendo saiba que o autor destas linhas tem um lado.
Escrevo a propósito do artigo "A favor do Fórum", escrito pelo consultor Glauco Fonseca. "A favor", no caso, é apenas uma parte. A que fala do maravilhoso convívio de pessoas, gente de diversas cores (sic) caminhando e deixando seu precioso dinheiro nos bares, hotéis e restaurantes, tudo muito bonito e cosmopolita, mas?
É a partir do "mas", que o articulista passa dizer o que realmente pensa do fórum. Ele lamenta que "as mesmas pessoas que conferem às ruas um colorido tão bonito, que buscam sob o sol escaldante pistas que indiquem um mundo melhor, sejam alvo de um processo de amordaçamento da verdade, de uma tentativa recidiva de dourar uma pílula que não pode mais ser dourada", e por aí vai.
O quê? As 200 mil pessoas que participaram o 5o Fórum Social Mundial, vindas de centenas de países, foram vítimas de um monstruoso mecanismo de lavagem cerebral em massa ou, como ele diz, "uma tentativa estapafúrdia de manipulação de mentes e de futuros"?
Nota-se que ele não conhece como funciona o FSM e, portanto, está na linha "não vi e não gostei", o que não é recomendável a quem escreve para o público. Se não esteve lá, escreve pelo que ouviu falar ou por preconceito, no caso, uma predisposição para falar mal. Na verdade, dá a impressão que o texto poderia ter sido escrito antes do evento, pois não traz qualquer informação atual.
O que ele pretende, na verdade, é fazer uma tentativa - não tão sutil assim - de separar o "lado bom" e o "lado ruim" do fórum. O primeiro seria a quantidade de pessoas enfeitando as ruas, conhecendo a cidade, movimentando o comércio e gerando renda. O lado ruim, segundo o articulista, seria seu conteúdo: o aspecto político. Ora, o Fórum nasceu exatamente para proporcionar a articulação dos que estão insatisfeitos com o mundo globalizado. Seu objetivo é permitir a discussão de temas sérios, a troca de experiências, a formação de redes mundiais, a realização de milhares de outros eventos combinados durante o fórum em todo o mundo, o crescimento da luta por um mundo melhor, a organização da sociedade em todo o mundo para resistir a um sistema opressivo.

As atividades que o senhor Glauco considera uma perigosa manipulação de mentes e futuros foram trazidas pelos próprios participantes, os mesmos que colorem nossas ruas e aqui gastam o seu dinheiro. Desde o 4o Fórum, realizado na Índia, convivem em caótica harmonia a programação oficial, elaborada pelo Conselho Internacional, e as atividades auto-gestionadas pelas próprias representações, estas últimas em franca maioria.
Ou seja. As pessoas que vieram ao fórum merecem respeito, afinal todas lutam por causas nobres e vêm aqui para defender suas idéias e não para fazer turismo.
Mas vamos aceitar o convite do articulista e imaginar um "Grande Fórum Mundial, um evento poderoso, capaz de ligar as pontas, de fazer acontecer". Ali, os que se preocupam com a saúde do planeta convenceriam o governo americano a assinar o protocolo de Kyoto? O sociólogo Manuel Castells, autor do obrigatório "A Era da Informação", sensibilizaria Bill Gates a aceitar que a informática é um patrimônio da humanidade, assim como a roda e a escrita? Os negros conscientizariam os racistas de que são gente como eles? O mundo todo persuadiria Bush a sair do Iraque? Os 800 milhões de dólares gastos anualmente pela indústria bélica - ou pelo menos parte deles - iriam para programas sociais ou para enfrentar a epidemia da AIDS na África? Os países ricos perdoariam ou pelo menos suavizariam a dívida do terceiro mundo? As grandes potências financeiras concordariam em destinar um percentual do capital especulativo para o desenvolvimento dos países pobres?
Aí, o senhor Glauco profere uma frase de efeito: "O nosso mundo é possível com seres humanos mais inteligentes". Lembro, a propósito, que um grupo de 19 intelectuais, incluindo José Saramago, Eduardo Galeano, Pérez Esquivel, Tariq Ali e outros da mesma grandeza, todos ativos participantes do fórum, lançou um manifesto contendo 12 pontos que consideram essenciais para a construção de um mundo melhor. Quem não acompanhou pode acessá-los no site www.forumsocialmundial.com.br. Talvez esses senhores não tenham o grau de inteligência exigido pelo articulista.
Quando leio a frase seguinte - "Deixemos, portanto, que se vá o FSM. Do jeito que ele é manipulado, é bom que não fique mais por aqui" -, vejo uma raposa, incapaz de alcançar as uvas no parreiral, murmurando, sem perder a pose: "Estão verdes!".
Lamentavelmente, vai sobrar uma farpa para o meu amigo Eliziário Goulart Rocha, que surpreendeu aos que se acostumaram com suas colocações pertinentes. Quer dizer que no Acampamento da Juventude, entre os 25 mil jovens ali instalados, havia gente transando e fumando maconha impunemente? Que horror!!! Ninguém chamou a polícia? Ora, Eliziário, não é o que os jovens fazem em qualquer camping do mundo, em qualquer cidade, no Planeta Atlântida, nas universidades americanas, na França no Marrocos, na Rússia, na Antuérpia, etc. etc., há várias décadas? Ou será que estamos numa cruzada santa para desmoralizar o fórum? Ah, eles ouviam muito rock and roll também.
* Rafael Guimaraens é jornalista, autor do livro "Pôrto Alegre Agôsto 61" e co-autor de "Trem de Volta - Teatro de Equipe", junto com Mario de Almeida.
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