Futuros profissionais

Gabriel Bocorny Guidotti

Experiência em estágio: exigência ou incoerência?
De acordo com art. 1º, § 2º, da Lei 11.788/08, "o estágio visa ao aprendizado de competências próprias da atividade profissional e à contextualização curricular, objetivando o desenvolvimento do educando para a vida cidadã e para o trabalho". Não há, nessa relação, qualquer vínculo de cunho trabalhista. O contrato de estágio é assinado a fim de preparar o estudante para o mercado de trabalho, qualificando-o através da experiência adquirida.
Com a atual legislação, as empresas tiveram de se adaptar aos direitos dos estagiários, que passaram a contar com a regulamentação de suas atividades. Garantias como férias, turnos máximos de 6 horas, entre outras, foram conquistas da "classe". Ainda assim, há um longo caminho pela frente. A ânsia pelo lucro e a superoferta de estagiários no mercado facilita o cometimento de abusos por parte das empresas.
Recentemente, uma agência de comunicação em Porto Alegre lançou edital para a contratação de um estagiário de jornalismo. No documento, os pré-requisitos para livre concorrência à vaga eram estapafúrdios: conhecimentos em dezenas de softwares, ferramentas de marketing digital, produção de eventos, entre muitos outros. As exigências superavam, e muito, a grade curricular do curso. O que a agência queria era alguém que trabalhasse como jornalista, publicitário e Relações Públicas - ganhando o salário de um estagiário.
Ora, se a relação de estágio constitui um período de aprendizado, não seria uma incoerência requisitar tantos conhecimentos? Na prática, as empresas contratam estagiários como funcionários de baixo custo. Na área de comunicação, é muito comum o fracionamento das 6 horas diárias em dois turnos (Manhã e tarde), obrigando o estagiário a permanecer trabalhando praticamente o dia inteiro. Os estudantes pagam o preço da ganância dos empregadores.
Estágio serve para aprendizado
Seria natural, e condizente com a lei, processos de seleção de estagiários por critérios de comprometimento, atenção, um mínimo de informática, etc. Isso é básico num mercado competitivo. Entretanto, daí a exigir que o estágio seja uma relação velada de emprego, há um problema sério. E o pior: o processo de acompanhamento das universidades é superficial, com base em formulários insossos.
Dito isso, é uma incoerência completa pedir experiência de um estagiário. Se ele está se candidatando a uma vaga é porque ainda está aprendendo na teoria e deseja aprender na prática. Constitui um contrassenso solicitar conhecimento específico de alguém que nunca trabalhou na área. Na maioria dos casos, o estágio é uma estratégia de precarização e barateamento da mão de obra, quando deveria ser um processo de formação profissional.
Mascara-se uma relação empregatícia de fato, quando, na realidade, ela é juridicamente de estágio. Esse expediente deveria ser fiscalizado e acompanhado de orientação, tanto da faculdade quanto da organização envolvida. De outro modo, a lei - tão comemorada no ano de sua promulgação - se torna ineficaz.
Gabriel Bocorny Guidotti é jornalista e escritor, e administra o site gabrielguidotti.wordpress.com.

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