Galeano e Quintana: simples coincidência

Por Antônio Goulart Alguma aproximação entre Eduardo Galeano e Mario Quintana? Nenhuma. A não ser estas: ambos foram escritores, contemporâneos e geograficamente vizinhos. Mas …

Por Antônio Goulart
Alguma aproximação entre Eduardo Galeano e Mario Quintana? Nenhuma. A não ser estas: ambos foram escritores, contemporâneos e geograficamente vizinhos. Mas não consta que tenham se encontrado alguma vez. Tanto o uruguaio que acaba de nos deixar e o poeta gaúcho dominavam a palavra como ninguém, mas seus estilos e modo de encarar a realidade eram diametralmente opostos.
No entanto, tempos atrás, encontrei entre ambos um ponto em comum, uma inspiração compartilhada, digamos assim. Longe de mim insinuar algo que lembre plágio. Não teria sentido em nomes tão destacados de nossas letras. Vejo nisso apenas uma curiosa convergência de ideias, uma simples coincidência. Mas vamos aos fatos.
Mario Quintana, falecido há 21 anos, em seu livro Sapato Florido, publicado em 1948 (Editora Globo), conta na fábula Velha História que um homem, com pena do peixinho que pescara, "retirou cuidadosamente o anzol e pincelou com iodo a garganta do coitadinho".
Depois, levou-o para casa "no bolso traseiro das calças". Os dois tornaram-se amigos inseparáveis. "Aonde o homem ia, o peixinho o acompanhava, a trote que nem um cachorrinho", revela o poeta.
Com o passar do tempo, o pescador achou que não tinha o direito de guardar aquele pequeno animal consigo. Então, certo dia, passeando à margem do rio, mesmo chorando, atirou-o na água. "E a água fez um redemoinho, que foi depois serenando, serenando? até que o peixinho morreu afogado?" - conclui a fábula.
Passados mais de 40 anos, Eduardo Galeano, em O Livro dos Abraços (L&PM, 1991), narra o causo do pequeno bagre que decidiu sair de um arroio e seguir o peão Mellado Iturria. Os dois também se tornaram amigos inseparáveis.
"Desde o amanhecer o bagre o acompanhava para ordenhar e percorrer o campo. Ao cair da tarde, tomavam chimarrão juntos; e o bagre escutava suas confidências", revela o autor. Até que numa certa manhã de muito calor, "quando as lagartixas andavam de sombrinha e o bagrezinho se abanava furiosamente com as barbatanas, Mellado teve a idéia fatal:
- Vamos tomar banho no arroio - propôs.
Foram os dois. E o bagre se afogou".
Antônio Goulart é jornalista.
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