Globo, a rainha da sucata

Por Alberto Luchetti Estrategicamente ou não, no meio do feriado prolongado de 7 de Setembro, o jornal O Estado de S.Paulo publicou, para poucos …

Por Alberto Luchetti
Estrategicamente ou não, no meio do feriado prolongado de 7 de Setembro, o jornal O Estado de S.Paulo publicou, para poucos lerem, uma entrevista de página inteira com o maior executivo de televisão da América Latina. Octávio Frioli Florisbal, diretor geral da Rede Globo de Televisão, discorreu longamente sobre os planos da emissora e a concorrência com as novas mídias. Florisbal foi enfático: "Temos um longo prazo para manter o público da TV aberta". Enfático? Sim. Profético? Vamos ver.
Pode ser mentira, desinformação, dissimulação ou equívoco.  Ou ainda excesso de preocupação. Os dicionários estão aí para oferecer palavras e idéias de amparo a essa pretensa assertiva. A rigor, no fundo, não passa de uma firula verbal do executivo da antiga Vênus Platinada.  A realidade - essa madrasta das inverdades - talvez explique melhor a ênfase de seu prognóstico, que soa mais como uma maneira inteligente e peculiar de se esquivar de modo dissimulado de suas próprias inquietações e aflições.
Há oito dias, o Ibope divulgou em seu Painel Nacional de Televisão (PNT) que o mês de agosto de 2010 produziu o pior resultado obtido até agora pelas TVs abertas. A Globo fechou o mês com 17,8 pontos de audiência, numa queda de 14% em relação ao ano passado. A Record e a Bandeirantes também tiveram quedas significativas e o SBT atingiu uma das médias mais baixas de sua história. Somando todas as emissoras (incluídas  RedeTV, Cultura e Gazeta), o número não ultrapassa 50 pontos.
No ano 2000, quando a internet tinha apenas cinco anos de idade no Brasil, só a Globo e o SBT, aos domingos, sem exibição do futebol, chegavam a 60 pontos de audiência. Na soma com Bandeirantes, Record, RedeTV, Cultura e Gazeta, esse índice de audiência chegava a quase 90 pontos. No último domingo, dia 5 de setembro de 2010, mesmo com transmissão de futebol, a Record venceu a Globo com média de 16 pontos contra 15. O SBT não chegou a 6. Quanto às outras emissoras, o bom senso sugere sequer revelar o dígito.
Evitar habilmente os baixíssimos índices de audiência, sem precisar eximir-se dissimuladamente, talvez funcionasse adotando o surrado argumento do feriado prolongado. Dizem os executivos que a audiência sempre cai em tais ocasiões. Mas isso seria mentir vergonhosamente. Negar o que se sabe ser verdadeiro. A curva para baixo é sólida e robusta. As novas mídias geradas, existentes e sustentadas pela internet, respondem hoje em todo o mundo e no Brasil por uma audiência muito maior do que a TV aberta.
Na mesma entrevista, Florisbal afirma que a TV convencional atinge hoje 175 milhões de brasileiros, mas com média inferior a 50% de audiência. A TV no Brasil tem mais de 60 anos de idade. A internet com apenas 15 anos no Brasil já está presente na vida de 70 milhões de usuários. A previsão do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE - indica que em 2012 o Brasil terá 100 milhões de internautas e uma população de 200 milhões de habitantes. Essa é a principal razão da perda de audiência da TV convencional.
Concordo, no entanto, com Octávio Florisbal  sobre a constatação de que "a TV aberta é mais lucrativa do que as outras mídias", destacada em letras grifadas na entrevista. Só faltou explicar. A TV aberta recebe mais verba por causa do comodismo dos mídias, das agências de publicidade e em razão da bonificação de valores, o famoso BV (dinheiro que emissoras devolvem para as agências acima dos 20% permitidos por lei).
Discordo, totalmente, de Octávio Florisbal quando declara que a TV Globo está diversificando o seu conteúdo para outras mídias. Da internet até aviões, passando pelo iPad, iPhone, ônibus, táxis, trens e outras futuras plataformas.  A Globo não cria nada para outros meios, apenas descarrega programação convencional.  Grava toda a sua programação e depois exibe nessa nova e moderna convergência de mídias, misturando tudo de forma desordenada, embaraçadamente, num emaranhado enredo. Florisbal, você está equivocado. Cada mídia tem sua linguagem. Assim foi com a própria TV quando surgiu. O pessoal procedente do rádio, ao se confrontar com as câmeras, se dividiu em dois grupos: os que deram e os que não deram certo. Ficou quem se reciclou, buscou uma nova linguagem e um formato de programação adequado. No caso, não funciona a teoria do "tudo junto misturado".
A disputa agora mais comum entre todos os meios convencionais de comunicação é ostentar, ao mesmo tempo, um conteúdo diferenciado e de qualidade para as outras mídias. No caso da internet, então, o conteúdo passa a ter uma importância ainda maior, em razão das particularidades que só essa nova mídia apresenta, principalmente no que diz respeito à interatividade. E, nesse caso, o conteúdo tem que ser, necessariamente, participativo. A via é de mão dupla. O público passa a ser co-gestor do processo de criação.
A maioria do público consumidor, hoje, faz parte de uma nova geração que prioritariamente só usa a internet como meio. Dificilmente manda uma carta, um fax ou um telegrama. Raramente vê televisão ou ouve rádio em aparelhos normais, quase nunca lê um jornal ou revista.
Por isso, o conteúdo e os criadores de conteúdo devem ter a multimidialidade, para atender cada veículo de comunicação e cada nova mídia dentro de suas próprias e únicas características. Não é gravando e retransmitindo conteúdo de TV convencional na internet, no Ipad, no Iphone e em outros meios que se atingirá esse público. Não adianta o embrulho e o laço serem atraentes, se o presente é de segunda mão. As empresas e seus funcionários que não se adaptarem à multimídia não terão espaço nessa nova sociedade digital, muito mais simples e democrática.
O novo profissional de comunicação tem que escrever bem, como se fosse para um grande jornal ou revista; falar de improviso como se estivesse numa cobertura ao vivo de rádio; precisa, necessariamente, se postar bem diante de uma câmera, como se fosse um âncora de rede nacional de televisão; e, obrigatoriamente, tem que dominar a internet com espírito de pesquisador e apurador. Utilizando o chat (conversa por Internet e por celular), a webcam, a voz sobre IP (computador como telefone), o MSN-messenger, o e-mail (correio eletrônico), além do Twitter, Facebook e Youtube.
A internet que acessamos, e não a televisão que assistimos, já agrega todas as plataformas de comunicação. Num futuro ainda mais próximo anexará o que falta. A forma apregoada por Florisbal, que no passado era a principal ferramenta dos meios convencionais de comunicação, foi substituída pelo conteúdo multimídia. Ao acreditar na pregação do chefão global, as novas plataformas não passariam de receptáculos de uma TV de segunda mão. Ou, para fazer justiça ao nome de antiga novela da casa, a Globo finalmente alcançaria a glória de se tornar a Rainha da Sucata dos novos tempos midiáticos. Porém, a realidade é outra. Estamos falando de reinvenções, e não de adaptações, dos meios de comunicação do planeta.  Eis o novo lema: ver e fazer, quando, onde e como quiser.

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