Hábito de leitura

Por Hélio Ademar Schuch Entre 26.710 vestibulandos da UFRGS, apenas uma candidata, para o curso de medicina, obteve a nota máxima na prova de …

Por Hélio Ademar Schuch
Entre 26.710 vestibulandos da UFRGS, apenas uma candidata, para o curso de medicina, obteve a nota máxima na prova de redação. Entrevistada pelo jornal Zero Hora, de 3/2, a estudante explicou:
- A redação é uma prova lógica. Ela deve ser considerada uma disciplina igual às outras. É preciso estudá-la da mesma forma que matemática, física ou química. O estudo, no caso da redação, é produzir muitos textos e ir aperfeiçoando.
Algumas estratégias foram usadas pela candidata. Como diz o box que acompanha o texto: "Colocou Claude Levi-Strauss na abertura para, segundo ela, impactar de cara o avaliador; Manuel Bandeira, no meio, para mostrar que conhecia literatura; e, no final, Saramago". A vestibulanda tinha o costume de anotar frases de escritores, brasileiros e estrangeiros - e usou três na sua redação.
Finalizando, a matéria cita seu hábito de leitura: "Para ela, está longe de ser uma obrigação, ler sempre foi um prazer. E, mesmo para uma vestibulanda, vai além das leituras obrigatórias da UFRGS. Seu gosto literário vai de Luis Fernando Verissimo a Franz Kafka".
Redação é uma prova de vestibular que foge da rotina de estudo das outras disciplinas, cujos conteúdos são previsíveis e limitados ao que é estudado no segundo grau. O seu tema não tem aviso prévio, é uma incógnita, e o que resta sobre o que "poderá ser" é apenas especulação. Pode ser um fato político ou econômico internacional ou nacional, mas também um fato sociológico, da cultura brasileira, como foi o caso deste ano, "incivilidades e infrações".
Pela sua imprevisibilidade, a redação exige uma boa bagagem de conhecimento e informação, dos mais variados tipos, e a única forma de adquiri-los é através de um conjunto de vivências, escola, leitura de livros, revistas e jornais, de sites, de propaganda, muitos filmes e televisão, e - decisivo -  ambiente. Esse é determinante em quase tudo, porque os indivíduos influenciam e são influenciados, e nada melhor do que aquele que estimula e oportuniza, e muitas vezes exige, o crescimento intelectual, através do hábito de leitura (que deve começar com livros), início da auto-suficiência, pessoal e profissional.
Como qualquer outro hábito, o de leitura é uma cultura, alguns têm, outros não. Ela pode ser formada, primeiro, na família, depois, nos ambientes que o indivíduo experimentar. Se a pessoa a internalizar, não haverá estranheza com livros, que serão partes naturais de sua vida.
A tecnologia do livro resiste há mais de 500 anos, mas perde gradativamente seu monopólio de conhecimento e informação para outros meios: a imprensa a partir do início do século 20, após, o rádio, seguindo a televisão, e agora enfrenta um adversário vigoroso, a internet. Um dia vai desaparecer em sua forma tradicional, impressa, um indício disso é a possibilidade de ser acessado via tablets, como já é possível.
(Mudanças de paradigmas sempre trazem algumas resistências, e por isso será interessante a leitura de "Não Contem com o Fim dos Livros", de Umberto Eco e Jean-Claude Carrière, que será lançado em abril pela Editora Record, como noticia a revista Veja de 27/1). Porém, se as inovações digitais atraem, e muito, e serão cada vez mais eficientes, o que importa é o ânimo do indivíduo para a leitura.  
Um país que conta com milhões de analfabetos e outros tantos, "funcionais", que é o 88 o no Índice de Desenvolvimento Educacional (IDE), perdendo para economias menores como Paraguai, Equador e Bolívia, segundo a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco), em relatório recém divulgado, e onde a metade dos 2,6 milhões de estudantes que se submeteram ao Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), não conseguiu obter os pontos estabelecidos como média da prova, atesta que o consumo da palavra impressa é escasso, e  hábito de uma minoria.
Neste quadro, aparece a importância dos jornais populares que, através de notícias com linguagem simples, e muitas vezes didática, incentivam o ato de ler. Como é o caso do jornal Diário Gaúcho que integra um projeto nacional de pesquisa sobre "padrões do vocabulário de jornais populares". Financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), agência do Ministério da Ciência e Tecnologia, o estudo procura compreender a linguagem deste tipo de jornais para, entre outros objetivos, posterior utilização no ensino de português.
Jornais populares, que custam centavos, são ótimos instrumentos para auxiliar na formação de uma cultura que faz falta à expressiva maioria dos brasileiros - o hábito de leitura, e portas de entrada para estimular a atenção por outros produtos impressos.

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