Imprensa caolha só viu o Lutz romântico

Por PC de Lester Talvez nunca como agora tenhamos precisado tanto de uma imprensa lúcida e capaz de nos dizer o que está realmente …

Por PC de Lester
Talvez nunca como agora tenhamos precisado tanto de uma imprensa lúcida e capaz de nos dizer o que está realmente acontecendo.
Talvez nunca como agora temos uma imprensa caolha, que não consegue discernir mais do que sombras e fatos embaralhados.
Basta acompanhar o noticiário ralo e repetitivo para perceber que a dita imprensa está mesmo é preocupada cem não desagradar os seus anunciantes. Para o distinto público leitor algum afago e muito marquetchin!
Na hora do vamos ver, ou seja, de relatar o que acontece, não tem ninguém em casa. Não estou me referindo a denúncias, a escândalos sobre falcatruas isoladas que hora espoucam por aí. Isso é a isca que o ladrão joga para enganar o cão de guarda.
Falo da cobertura cotidiana, dos fatos e dos processos que conformam a realidade social - as decisões nas empresas, nos parlamentos, na burocracia, nos negócios, no governo, nas entidades de classe, nas associações de bairro.
Aí, a profundidade é tal que uma formiguinha atravessa com a água pela canela, como dizia Nelson Rodrigues. O noticiário em mosaico, cada vez mais sucinto e impreciso, é servido de modo a nos deixar a sensação de uma realidade caótica, incompreensível, que é para nos convencer a desistir de pensar. Tem é que fazer o que seu mestre mandar. Afinal, ninguém tem mais tempo para ler, não é mesmo?
Essas considerações vãs me ocorrem ao ver a cobertura que a dita mídia deu à morte de José Lutzenberger. Fora do Rio Grande, a maioria ignorou ou deu um registro burocrático, como fez a Veja.
Aqui no Estado, como não poderiam ignorar uma personalidade como Lutzenberger trataram de rotulá-lo como "o guardião do verde" ou "um desses loucos maravilhosos".
Assim, fica-se no plano romântico, do sonhador (muitas vezes inconseqüente!). passando batidos pelos aspectos mais incômodos e importantes, talvez, da trajetória de Lutz e que faziam dele uma figura internacional - o pensador original, o cientista arrojado, o crítico radical da sociedade industrial, o ativista que mostrou como se pode mudar as coisas.
Claro que não há uma mente maligna maquinando isso. Há um processo feito de interesses, omissões e conveniências, cujo resultado, entre outros, são redações obedientes e burocráticas, em que a falta de criatividade se confirma pelas exceções.
* Artigo publicado na edição de junho de 2002 do jornal JÁ

Comentários