Internet ficou de fora da entrevista de Lula

Por Renato Delmanto* A mídia festejou como um grande acontecimento a primeira entrevista coletiva do presidente Lula em 28 meses de governo. Pudera: desde …

Por Renato Delmanto*
A mídia festejou como um grande acontecimento a primeira entrevista coletiva do presidente Lula em 28 meses de governo. Pudera: desde janeiro de 2003 os coleguinhas de Brasília esperavam a chance de um tête-à-tête com o presidente. Durante quase uma hora e meia, Lula respondeu a todas as perguntas, tocando em temas polêmicos que garantiram as manchetes dos principais portais de notícias na internet da sexta-feira (29/4), e das edições do dia seguinte de quase todos os jornais do país.
Ao final do encontro com a imprensa, o porta-voz André Singer não conseguia esconder a satisfação em ter finalmente conseguido que o presidente concordasse em participar do encontro com a mídia. Se os profissionais da imprensa gostaram tanto assim da experiência é outra história, e não vem ao caso - pelo menos neste artigo, não.
Os jornais do sábado reservaram várias páginas à cobertura do evento inédito e de seus bastidores. Uma leitura atenta permitiu saber que o jejum do presidente com os jornalistas durou exatos 849 dias; que nesse tempo ele fez 639 pronunciamentos (quase todos de improviso); também que, durante a entrevista, falou 9.346 palavras, citou o Brasil 65 vezes e o seu governo, 220 vezes; e que seu colega americano, George W. Bush, já concedeu 21 entrevistas coletivas desde que assumiu a Casa Branca (nas quais escolhe os jornalistas que poderão fazer perguntas). Enfim, muitos foram os números pinçados da primeira coletiva de Lula. Muitos foram ainda os comentários sobre o conteúdo do que foi dito.
Mas a coletiva chamou a atenção por outros motivos. Não apenas pela rigidez da forma, que não permitiu o direito de réplica aos jornalistas, ou pelo prévio acerto, com a assessoria do Planalto, dos temas a serem tratados nas perguntas.
Curioso foi como foram selecionados os 14 jornalistas que participaram da entrevista. Nove deles representavam veículos que acompanham diariamente a agenda do presidente, mesmo que não tenham sido os próprios setoristas que ocuparam o microfone - como ficou claro na presença de Augusto Nunes, do Jornal do Brasil (os outros eram do Correio Braziliense, Folha de S.Paulo, O Estado de S.Paulo, O Globo, Rede Bandeirantes, Rede Globo, Rede Record e Valor Econômico).
Os demais 5 jornalistas foram sorteados entre representantes das "outras mídias", a saber: rádio, jornal regional, TV, revista e agência internacional. (Neste bloco, figuraram Rádio Gaúcha, O Dia, Rede TV, Época e Agência Lusa.)
E a internet? Simplesmente ficou de fora.
A internet é a mídia que melhor permite ao leitor buscar informações sobre os assuntos do interesse dele; é o meio que melhor permite a convergência de outras mídias - textos, imagens, áudios, vídeos, animações, infográficos etc. É também a única maneira de acessar o que foi dito pelo presidente, no momento em que o leitor quiser, e sem o viés das edições dos telejornais ou dos veículos impressos. Na web, o internauta pode ler ou assistir à íntegra da entrevista - e repetir isso quantas vezes desejar. É bom lembrar que, embora transmitida ao vivo por algumas emissoras de TV e de rádio, a entrevista presidencial foi realizada num horário em que boa parte dos brasileiros se encontrava no trabalho.
Vale lembrar ainda que foram os portais na internet que primeiro abriram espaço às declarações e à repercussão do encontro do presidente com os jornalistas, logo no início da tarde da mesma sexta-feira.
Isto posto, por que teria o Planalto ignorado os portais de notícias no "sorteio" de jornalistas para a coletiva? Seria a internet, no entender deles, uma mídia menor?
De fato, pesquisas mostram que a consolidação de marcas exclusivamente virtuais, principalmente as marcas "editoriais", é bem mais difícil que nos meios tradicionais. As pessoas costumam dizer que viram determinada matéria no Jornal Nacional ou no Fantástico, que leram uma reportagem na Veja ou no Estadão, mas em contrapartida dizem que viram uma notícia "na internet". Raramente citam o site ou portal que trouxe a matéria, mesmo que se trate de um furo jornalístico.
Essa percepção do público - que requer tempo e aculturação para ser revertida - não significa que nada de bom, do ponto de vista jornalístico, esteja sendo feito na internet. Ao contrário, há vários sites e portais que zelam pelo bom jornalismo, pelas reportagens investigativas, pelo espaço à análise e opinião de especialistas - espaço este, aliás, cada vez mais escasso nos jornais impressos.
Há uma tendência na internet, no Brasil e em outros países, de seguir na contramão da notícia curta, da informação do último minuto, do imediatismo sem contextualização e do simples "copiar e colar" como principal ferramenta de produção de conteúdo jornalístico. A internet não precisa ser (e há bons exemplos de que não é) uma mídia menor.
Seria essa a postura dos tomadores de decisão do Planalto? De que a internet é uma mídia menor? Seria uma postura do próprio presidente Lula? Ou dos homens de comunicação do seu partido, o PT? Ou seria uma postura comum a todos eles em relação à imprensa em geral, ao tratar os jornalistas de internet como subprofissionais e, os demais jornalistas, como rebeldes sujeitos a um controle coercitivo sobre o exercício da profissão?
Quem trabalha em redação sabe que a maioria de nossos coleguinhas é simpatizante do PT. Levantamento realizado pela Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas), em julho 1998, quando Lula era o principal candidato da oposição a FHC, mostrou que 50,9% dos jornalistas pretendiam votar no petista, contra 23,7% que preferiam o tucano.
Independente desses dados, o número de profissionais de comunicação ligados ao PT é grande, sempre foi, desde a fundação do partido, em 1980. Por isso, as regras adotadas na entrevista do presidente Lula são ainda mais chocantes. Porque partem justamente de pessoas ligadas a um partido que nasceu dos movimentos populares, que tanto lutou pelas liberdades democráticas, pelo fim da censura e pela liberdade de expressão.
Imagino o que estariam pensando alguns saudosos comunicadores petistas, ao assistirem lá do Céu a uma situação bizarra dessas - particularmente Perseu Abramo, Henfil e Carlito Maia. É deste último, espirituoso como poucos, uma frase que definia a diversidade do PT autêntico, e a valorizava como diferencial:
"Ele [o PT] é composto por seres humanos, com todos os defeitos e virtudes: xiitas e xaatos, xiiques e xuucros, xaaropes e xeeretas. Mas todos vão tirar as cismas numa boa, democraticamente."
Tenho a impressão de que os xaatos, xuucros e xeretas estão dominando este governo e esse partido. Desse jeito, vão acabar conseguindo aprovar algum tipo de Conselho Federal de Jornalismo. E nós, profissionais de imprensa, teremos todos de tomar cuidado com o que falamos, escrevemos e perguntamos nas entrevistas coletivas.
Quando chegar esse dia, os jornalistas de internet não terão mais por que lamentar: todos os meios estarão nivelados perante as duras regras de controle oficial da informação. Seremos todos, então, representantes de submídias.
* Renato Delmanto é jornalista, editor do portal AOL e professor de jornalismo na Faculdade Cásper Líbero. O artigo foi publicado originalmente no site www.observatoriodaimprensa.com.br.
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