ISV (1)

Por Mario de Almeida* Em dezembro de 1980 pensei que meu saco havia ganho um quisto sebáceo. Espremi-o. Macabro engano. Era uma espinha, infeccionou …

Por Mario de Almeida*
Em dezembro de 1980 pensei que meu saco havia ganho um quisto sebáceo. Espremi-o. Macabro engano. Era uma espinha, infeccionou e, apesar da assistência de dois médicos, quatro dias depois meus testículos eram apresentados a um bisturi. Manhã seguinte, o cirurgião disse-me que estava tudo OK. Disse-lhe que, para mim, o OK e o cheque eram depois do funcionamento. Na manhã seguinte entreguei-lhe o cheque dizendo: é teu, tive uma polução noturna e acordei todo melado.
Passei o Natal internado, mais pobre e nunca mais confundi quisto com espinha. E ganhei um reflexo condicionado para urinar rápido.
Cinco anos depois, eu, que não sou hipocondríaco, não entraria em hospital do Rio nem vestido de robô. A forma mais tranqüila de se pegar uma infecção era entrar em qualquer hospital carioca. Conseqüência: extirparam-me o cristalino do olho direito num hospital de Campinas, uma ilha em meio ao pasto de uma fazenda desativada. Após a cirurgia, ainda nos tempos da anestesia geral para cataratas, fui levado para uma imensa sala de recuperação. Deu-me uma grande vontade de urinar e ganhei um "patinho", ou "papagaio", aquele artefato onde tu mijas à vontade, sem inundar a cama. Acontece que desde a tal operação no saco, fiquei condicionado a urinar ouvindo ruído de água, como torneira ou descarga da privada (ou patente, tu escolhes). E, pois, nada de urinar. Chamei a enfermeira, perguntei se não havia nada, no ambiente, que fizesse funcionar meu reflexo condicionado, mas não havia. Minha briga com a bexiga ganhou e uns quinze minutos depois eu era um mijador vitorioso. Antes de sair do hospital, anotei o nome da enfermeira, disse-lhe que arrumasse um toca-fitas simples e que dias depois ninguém mais sofreria de prisão de bexiga no hospital. Já no Rio, na Rede Globo, chamei um sonoplasta e pedi-lhe uns 5 minutos de gravação com sons diferentes de água rolando: chuva, torneira aberta, descarga de privada, chuveiro e, em homenagem à minha cirurgia, catarata. O sonoplasta, ao entregar-me à fita, confessou que o som era irresistível? Enviei a fita, é claro, e espero ter aliviado muitas bexigas aflitas.
Dois ou três anos depois, em minha casa, durante uma transa dominical, sou interrompido por uma brutal dor no peito. Como já disse, não sou hipocondríaco e não dei maior importância à dor que assim como me atropelou, foi-se. Noites depois, nova transa interrompida como se um trator estivesse atravessando meu peito.

Dia seguinte, outras preocupações encheram meu dia e esqueci da transa frustrada. Ainda naquela mesma noite, acordo de madrugada com a mesma dor. Manhã seguinte concluí que, se com transa já era ruim, imaginem sem transa! Marquei cardiologista, fizeram-me um eletrocardiograma, fui para o teste de esteira que quase nem houve e recebi o diagnóstico: angina pectoris. Terapia: caminhar, nadar e uma drágea de Cardizem de oito em oito horas. Assim se passaram uns 15 anos e há mais de 10, eu, ausente do cardiologista, confiava na medicação diária.
Quando o cristalino esquerdo resolveu, também, me abandonar, baixei num hospital oftalmológico, recebi anestesia local e, tudo muito tranqüilo, antes de dar vontade de urinar eu já estava a caminho de casa. Dias depois fui ao oftalma para revisão da cirurgia, recebi o "tudo bem" e nova receita para os óculos. Eu estava no Centro Médico do BarraShopping, no Rio, onde há tudo que é especialidade médica.
O ambiente disparou o meu "sensor" e dei-me conta que eu era absolutamente irresponsável quanto à minha saúde.
Naquele mesmo momento, exceto obstetrícia, ginecologia e pediatria, comecei a marcar consultas.
A primeira consulta foi com o urologista, mesmo sabendo que o PSA estava legal e que não deveria haver problema com a próstata. Ao me receber, ele foi logo perguntando:
- O que o jovem quer?

- A mesma ereção de quando jovem.

(Continua)
* Mario de Almeida é jornalista, publicitário, dramaturgo, autor de "Antonio?s, caleidoscópio de um bar" (Ed. Record), "História do Comércio do Brasil - Iluminando a memória" (Confederação Nacional do Comércio) e co-autor, com Rafael Guimaraens, de "Trem de Volta - Teatro de Equipe" (Libretos).
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