ISV (3 – final)

Por Mario de Almeida* Dez dias após haver ganho uma prótese na carótida esquerda, tiraram-me os pontos e fiquei degustando mais um tempinho de …

Por Mario de Almeida*
Dez dias após haver ganho uma prótese na carótida esquerda, tiraram-me os pontos e fiquei degustando mais um tempinho de Scarface.
Prosseguindo minhas andanças por consultórios, laboratórios e hospitais, voltei à fisioterapia da perna direita, que ganhara a tal sinovite. A fisioterapeuta se esquecera e já vinha de ultra-som na esquerda e eu avisei:
- É a perna direita, pô!

- Seria apenas preventivo?
Fiz os exames de sangue, de urina e pela primeira vez, em anos, estava tudo "em cima". Nada "acima". Meu cardiologista aplaudiu os resultados e, mais uma vez, insistiu que gozo de excelente saúde.
Em julho completarei (?) 73 anos. E não sei quando é que vai diminuir - se vai - esse incessante périplo para tentar morrer com saúde, como bem nos aconselha o K. Cooper.
Pensando muito sobre isso é que cheguei ao ISV - Imposto Sobre a Vida. Fácil de entender. Quem, a partir de uma idade considerável, insiste em continuar vivendo, não tem como sonegar o ISV. É um imposto tão compulsório como o CPMF, mas, diferente desse, que tem uma taxa fixa, o ISV é um imposto progressivo que pode, inclusive, aumentar dia a dia.
Por já haver ultrapassado o Cabo da Boa Esperança, não pago transporte municipal, tenho direito a meia entrada em cinemas e teatros e me assustei quando, há meses, uma adolescente ofereceu-me lugar no metrô cheio.
São as regalias de um idoso, supõe a nossa vã filosofia. E quem já dobrou esse Cabo sabe muito bem que não é regalia nenhuma, é um reembolso mínimo do que o idoso injeta na circulação diária de nossa moeda, através de planos de saúde, medicamentos, suplementos de vitaminas e sais minerais, no mínimo-mínimo. Os planos de saúde, inclusive, são implacáveis: a partir dos 70 anos a mensalidade dobra. Isso mesmo, é multiplicada por 2.
Já que o ISV é compulsório, só resta gozar sua contra-partida.
Um bom exemplo foi o casal norte-americano, muito rico, Gerald e Sarah Murphy, que no início dos anos 20 se mandou para Paris, onde conviveu com toda a nata da intelectualidade e da vida artística da chamada Cidade-Luz: Picasso, Bracque, Cocteau, Stravinsky, Joyce e, inclusive, outros americanos, como Gertrude Stein, Cole Porter, Scott Fitzgerald e Hemingway. Este, em 1960, já em Cuba, escreveu "Paris é uma festa", sobre esses anos maravilhosos. Gerald Murphy também escreveu seu delicioso e pequeno livro e o batizou com um antigo e conhecido provérbio basco: Viver bem é a melhor vingança.
Aí vai um escorregão meu na auto-ajuda:

Malandro é o cara que se despede de si mesmo no lucro.
* Mario de Almeida é jornalista, publicitário, dramaturgo, autor de "Antonio?s, caleidoscópio de um bar" (Ed. Record), "História do Comércio do Brasil - Iluminando a memória" (Confederação Nacional do Comércio) e co-autor, com Rafael Guimaraens, de "Trem de Volta - Teatro de Equipe" (Libretos).
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