Jogo e hipocrisia (1)

Por Mario de Almeida* Este artigo não é a favor e nem contra o jogo, mas é contra a hipocrisia. Contra o hábito de …

Por Mario de Almeida*
Este artigo não é a favor e nem contra o jogo, mas é contra a hipocrisia. Contra o hábito de se fingir de avestruz e enterrar a cabeça para não enxergar sua própria captura.
Por uma dessas metáforas que o destino apronta, o avestruz é o primeiro animal do jogo do bicho, "grupo 1", ou seja, dezenas 01, 02, 03 e 04.
Em 1888, no bairro de Vila Isabel, que também por coincidência, rima com Noel, o Barão de Drumond inaugurou o primeiro zoológico do Brasil. Transferido em 1945 para a Quinta da Boa Vista, recebe, hoje, mais de 2000 visitantes-dia.
Face às dificuldades financeiras de manter o zoo funcionando, o barão inventou o jogo do bicho.
Usou de criatividade e da aritmética para tornar o jogo viável e atraente. Enumerou, em ordem alfabética relativa, 25 bichos, do avestruz à vaca. Multiplicando por quatro o número de cada um deles e decrescendo do resultado até mais três números, chegou às dezenas, ou seja, o 1 gerou o 04, 03, 02 e 01 e o 25 o 100 (dezena 00), 99, 98 e 97, e assim quanto aos outros 23 bichos (1). A atração maior para o jogador é o bicho, imediatamente relacionado aos sonhos e, se por acaso alguém sonha com uma pessoa destituída de inteligência, joga no burro, é claro.
O barão popularizou o jogo no bairro de Vila Isabel, pois em determinada hora da tarde era feita a extração no portão do próprio Zoo. Desde essa data e até a proibição do jogo, o acertador do bicho (grupo), recebia 23 vezes o valor apostado. Isso, até a proibição?
Não levou muito tempo para o jogo sair da Vila ("? que nunca quis abafar ninguém?"), ganhar "banqueiros" e outras modalidades de apostas, como dezenas, centenas, milhares, duque, terno, 5 e/ou 7 prêmios, diversas extrações-dia, espalhar-se pela cidade, pelo Brasil, substituir, regionalmente, bichos, onde até o rato ganhou status e tranformar-se, pós 1946, na maior rede de contravenção e de corrupção no Brasil, com um número de militantes infinitamente maior que o tráfico de drogas. Inclua-se, em muitas regiões, o início, em grande escala, do crime organizado.
Contam os alcoviteiros da História, que Carmela Dutra, primeira-dama do Brasil, uma carola tão óbvia que era mais conhecida como "Dona Santinha", submetida à influência do então arcebispo da Capital Federal, D. Jaime Câmera, conseguiu que o Presidente Dutra atropelasse a Assembléia Nacional Constituinte e decretasse o fechamento dos cassinos e proibisse o jogo em todo o Brasil. Nesse maio de 1946, Dutra, em sua santa ingenuidade, assinava, também, um novo capítulo na história da corrupção cabocla. Há muito tempo que o grupo, que pagava 23 vezes o valor apostado pelo ganhador, hoje só paga 18 vezes. O "banqueiro" continua pagando 23 vezes, 18 para o jogador e 5 para a corrupção.
Eu, quando ia a Torres, a passeio, fim dos anos 50 e início dos 60, atravessava o Rio Mampituba, que é divisa estadual e transgredia apostando no 17, na roleta catarinense. E no bicho, eventualmente, há 4 décadas, jogo no 312, número do nosso Teatro de Equipe, na Rua General Vitorino.
Eu, então a trabalho, no verão de 1964, fui à cidade de Rio Grande e consegui fazer a matéria que, com muitas fotos, publicamos nas páginas centrais da Última Hora gaúcha e fechamos, temporariamente, o cassino da praia do mesmo nome. O jornal me reembolsou das perdas no 17?
Quem quiser divertir-se com a matéria, onde poupei o constrangimento dos jogadores, colocando uma tarja nos rostos, vá à antiga sede da Imprensa Oficial, Rua dos Andradas, 959, (esquina da Caldas Júnior), que antes ainda, abrigara o jornal A Federação e hoje é o Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa (2), que presta imenso serviço à memória do Rio Grande mas precisa, urgente, de um equipamento de microfilmagem, pois quando precisei de uma cópia, fui com o meu amigo, arquiteto Milton Mattos, ele de câmera na mão. No museu, corretamente, não se tira cópia xerox daqueles originais mas, em descompensação, usuários incivilizados arrancam páginas dos periódicos?
Será que mexi com os brios da Associação Rio-grandense de Imprensa? Tenho certeza que o tão saudoso quanto eficiente Alberto André, verdadeiro ícone da ARI, aceitaria esse desafio com prazer. Aquele presidente nunca imitou o avestruz.
1. Se quiseres a relação original dos 25 bichos e que são os mesmos na região Sudeste, peça pelo meu e-mail abaixo.

2. Hipólito José da Costa, patrono dos jornalistas brasileiros, editou durante anos, em Londres, de 1808 a 1822, o primeiro jornal brasileiro, o Correio Braziliense.
* Mario de Almeida é jornalista, publicitário, dramaturgo, autor de "Antonio?s, caleidoscópio de um bar" (Ed. Record), "História do Comércio do Brasil - Iluminando a memória" (Confederação Nacional do Comércio) e co-autor, com Rafael Guimaraens, de "Trem de Volta - Teatro de Equipe" (Libretos).
[email protected]

Comentários