Jornalismo cultural: agenda ou tradição?

Por Luciana Thomé* O Instituto Itaú Cultural, com sede em São Paulo, realizou entre os dias 08 e 10 de dezembro o Seminário Internacional …

Por Luciana Thomé*
O Instituto Itaú Cultural, com sede em São Paulo, realizou entre os dias 08 e 10 de dezembro o Seminário Internacional Rumos Jornalismo Cultural. O evento reuniu mais de 30 especialistas, estudiosos da cultura e profissionais da comunicação para debater os modelos de jornalismo cultural praticados no Brasil e no exterior. O seminário foi organizado por Claudiney Ferreira, consultor do Itaú Cultural, e contou com a curadoria de Liana Milanez, jornalista gaúcha radicada em SP e ex-presidente da Fundação Cultural Piratini Rádio e Televisão (RS).
Como assessora de imprensa da Casa de Cultura Mario Quintana, fui convidada para acompanhar as discussões, que contaram com a presença de Angeles Garcia (redatora-chefe da editoria de cultural do jornal El País - Espanha), András Szantó (diretor do National Arts Journalism Program da Universidade de Columbia - EUA) e Andrés Hoyos (diretor da revista El Malpensante - Colômbia), entre outros jornalistas do Brasil.
Desde o início, as avaliações convergiram para um mesmo ponto: o verdadeiro jornalismo cultural brasileiro carece de recursos financeiros. Ele sobrevive com a ajuda de parcos anunciantes e apoio estatal, necessitando muita força de vontade para prosseguir. Os grandes jornais, por sua vez, têm suas pautas orientadas pelo mercado. E, na maioria dos casos, são guiados pela agenda cultural, vendendo e anunciando PRODUTOS culturais e não FATOS culturais.
O seminário apresentou, no total, dez palestras e três oficinas. Discutiu os temas Independência e Segmentação; Cultura e Economia; Jornalismo Cultural Hispânico; A Formação em Jornalismo Cultural nos Estados Unidos; Do Popular do Pop; A Crítica Cultural como Gênero; Cibercultura e Jornalismo Cultural; Jornalismo Cultural e TV; Cultura e Reportagem; e Memorial da Cultura Brasileira. Esta última, uma verdadeira aula de história (principalmente para os estudantes presentes) da comunicação brasileira, que reuniu Artur Xexéo, Humberto Werneck, Juarez Fonseca (o representante gaúcho) e Zélio Alves Pinto.
Na palestra de abertura, o evento apresentou modelos alternativos e independentes de jornalismo na área da cultura. O jornalista Homero Fonseca apresentou a revista Continente Multicultural, editada em Pernambuco, com tiragem de 10 mil exemplares por mês. A publicação, que fala sobre as diversas manifestações de arte e tem cinco mil assinantes, conta com apoio financeiro da Imprensa Oficial do Estado do PE, mas possui independência editorial.
Editada em São Paulo, a Revista Cult passou a atender um segmento mais amplo, aumentando seu apelo junto ao leitor. Passou de publicação literária para um veículo determinado a discutir as intervenções culturais. De acordo com seu diretor de redação, Marcelo Rezende, a imprensa que cobre a área de cultura enfrenta um círculo vicioso. "Os jornalistas pensam: por que darei espaço a este cineasta na minha revista se ninguém o conhece? Desta forma, ninguém nunca conhecerá mesmo".
Um exemplo que deve ser destacado é o do Jornal Rascunho. Criada em abril de 2000, a publicação paranaense é dedicada exclusivamente à literatura, e apresenta todo o mês 32 páginas com resenhas, críticas e notícias sobre a área. Mantido pelo jornalista Rogério Pereira, o jornal conta com a participação de colaboradores como José Castello, Fernando Monteiro e Nelson de Oliveira. A tiragem é de 5 mil exemplares, distribuídos para assinantes em todo o País. Adepto das polêmicas, o Rascunho ganhou notoriedade, principalmente entre escritores. Amado ou odiado, o jornal segue promovendo a discussão sobre a literatura, se destacando entre outros jornais que produzem um material amorfo. "A grande dificuldade está em convencer que este tipo de publicação é importante. O Brasil é um deserto, em termos de cultura. Mas existe em Curitiba um oásis", salientou Pereira.
Contra as previsões do mercado, a revista colombiana El Malpensante

conquistou seu espaço, completando oito anos de atuação. Com uma tiragem de 25 mil exemplares, a publicação mantém sua personalidade, investindo nas pautas criativas e exóticas e no autêntico jornalismo literário, com reportagens construídas a partir de muita pesquisa e embasamento. De acordo com András Hoyos, o jornalismo cultural é um tópico pouco abordado em discussões sobre os meios de comunicação. No entanto, é através dele que os leitores em geral têm o primeiro contato com a cultura. Fundado por Joseph Pulitzer, o National Arts Journalism Program da Universidade de Columbia

é voltado para jornalistas com mais de cinco anos de experiência. E supre uma carência do ensino acadêmico, que não prepara para a atuação na área cultural. "Qualquer pessoa pode pesquisar material na Internet. No entanto, cultura é história e tradição. Devemos surpreender o leitor com pautas e conhecimento", afirmou Hoyos.
Na mesa sobre o popular, foi exposto que, como se sabe, a cultura é hoje regida pelo mercado. Desta forma, o Brasil possui um jornalismo cultural movido a modismos, que não coloca a tradição em suas páginas. Cresce o medo do desconhecido, medo de publicar matérias sobre algo ou alguém que a grande massa desconhece. "Luciano Huck foi barrado no Esplanada Grill por usar sandálias Havaianas, e isto virou notícia em todos os cantos", destacou Alberto Villas, editor-chefe do Fantástico da Rede Globo. Para Gilmar de Carvalho, jornalista e professor da Universidade Federal do Ceará, o sedentarismo contaminou as redações. "O jornalista dá dois telefonemas e faz a matéria. Ele não sai mais para a rua. O que vai para a capa dos jornais é o que vende. Mas nem sempre o que vende é bom culturalmente".
A situação do jornalismo cultural no País foi brilhantemente resumida por Mauricio Stycer, editor de cultura da revista Carta Capital, participante da mesa sobre Cultura e Reportagem. São seis os problemas:
1) excesso de espaço;

2) excesso de ofertas da indústria cultural;

3) contaminação da publicidade;

4) rejeição dos chamados assuntos chatos: política cultural, patrocínios, leis de incentivo;

5) jornalismo de celebridade: a vida é mais importante que a obra;

6) os assessores de imprensa têm poder de influência sobre os editores.
Stycer também indicou algumas soluções: articular idéias (neste mundo de produtos); enfrentar os assuntos pela substância (pela obra e não pela vida); coragem (para publicar e apostar em assuntos não consagrados); e curiosidade (para descobrir assuntos fora da agenda).
Em tempos em que a reportagem foi deixada de lado, muito bem lembrou Humberto Werneck, profissional com 36 anos de jornalismo: "Os prêmios de jornalismo passarão a ser concedidos ao Google". Portanto, cabe a nós, jornalistas, repórteres ou editores, modificar esta realidade. Qualificar pautas e reportagens, privilegiar o inusitado e o criativo e divulgar a história da cultura brasileira.
* Luciana Thomé é jornalista, assessora de imprensa da Casa de Cultura Mario Quintana.
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