Jornalista: é hora de reinventar

Por Luciano Martins Costa Os últimos indicadores disponíveis sobre o nível de engajamento dos brasileiros na tecnologia da informação sugerem que, ao contrário do …

Por Luciano Martins Costa
Os últimos indicadores disponíveis sobre o nível de engajamento dos brasileiros na tecnologia da informação sugerem que, ao contrário do que muitos imaginam, a internet ainda não acabou como oportunidade de negócio para as empresas de mídia e para os jornalistas. Apenas mudou sua natureza.
De fato, não chegou a ocorrer uma interrupção no crescimento do número de usuários e em nenhum momento o fenômeno da nova mídia deixou de se comportar como uma onda avassaladora sobre todos os modos tradicionais de relacionamento e comunicação. O que estourou, em verdade, foi a reputação de alguns analistas e o caixa de um monte de investidores desavisados, além de muita lavagem de dinheiro.
No final do ano passado, tinham acesso à rede 14,3 milhões de brasileiros, dos quais 7,9 milhões eram internautas ativos. No final deste ano, esses números deverão saltar para 17,5 milhões e 10,9 milhões, respectivamente.
Para se ter uma idéia do crescimento do Brasil na internet, basta lembrar que em 1999, auge da bolha, havia 4,8 milhões de brasileiros com direito a acesso, dos quais "apenas" 2,5 milhões estavam rotineiramente conectados. Esse "apenas" só pode ser dito hoje. Naquele passado remoto de apenas quatro anos, o número nos parecia tão mágico e grandioso como estar num estádio com 100 mil torcedores.
Novo meio
Mas a rapidez das conexões cresceu na velocidade inversa da iniciativa dos responsáveis pelas empresas de comunicação. Um exemplo: o serviço de entrega do jornal-papel pela internet, anunciado em maio pelo Estado de S.Paulo, foi criado em 1998. O plano de negócio estava pronto no primeiro semestre daquele ano, o primeiro grupo de trabalho para seu desenvolvimento demorou três meses para ser criado e, depois disso, não teve mais do que três reuniões produtivas até maio de 1999. Cinco anos depois de ter sido inventado o processo de entrega do conteúdo para impressão remota, um anúncio em francês dava conta de que, a partir de agora, qualquer pessoa pode folhear o Estadão em Paris no mesmo dia em que ele circula na Avenida Paulista, em São Paulo.
Um fenômeno semelhante está ocorrendo com a telefonia celular, associada à tecnologia da informação: de 2000 até o final deste ano, o número de usuários deverá mais do que duplicar no Brasil, saltando de 22 milhões para 46 milhões. Junto com os celulares, a tecnologia de mensagens curtas (SMS, do inglês short message service) é uma das aplicações mais demandadas, o que indica que a telefonia e a internet têm mais pontos de convergência a desenvolver.
Há dois anos, esse foi um dos temas que discutimos durante o encontro estadual de comunicação empresarial realizado em Águas de São Pedro. SMS era ainda uma das muitas novidades tecnológicas anunciadas na ocasião, e no deslumbramento geral pouca gente percebia o valor do novo meio para as empresas de comunicação e para os jornalistas. Mesmo agora que essa tecnologia está madura, não se vê as empresas de mídia nem os jornalistas correndo na vanguarda dessa oportunidade para oferecer conteúdo para comunicação entre celulares.
Ondas de crise
Onde estou querendo chegar, e aporto rapidamente para poupar seus bites, é que a tecnologia sempre se inclina para onde as forças econômicas e sociais mais ágeis a atraem. Em 1900, durante a feira de Paris, quando a virada do século anunciava a modernidade industrial, o escritor e jornalista francês Alphonse Daudet distribuiu um texto no qual afirmava: "L"automobile c"est la guerre". Ele adivinhava que o veículo automotor, apropriado pelas forças da época, no cenário de reestruturação dos impérios europeus, seria um incentivo a novas guerras, pela diferença que faria em termos de tecnologia sobre o mundo das carroças puxadas a cavalo. Em meio às nacionalidades emergentes e impérios decadentes, nenhum chefe militar resistiria à tentação de lançar carros de combate motorizados contra os regimentos de cavalaria, subitamente tornados obsoletos. Daudet não errou: apenas 14 anos depois, explodiria o maior conflito já promovido até então entre nações européias.
Não têm faltado reflexões sobre a tecnologia da informação e o risco de crescimento das diferenças sociais, pela persistência da exclusão digital versus a vantagem que leva o cidadão conectado na disputa pelas melhores posições na sociedade globalizada. Mas essa não é questão que tratamos aqui. Aliás, quem mais combate a exclusão digital são as empresas de tecnologia e órgãos públicos. A imprensa pouco faz pela diminuição da diferença entre um estudante com acesso à rede - e toda a sua oferta de informações - e um jovem sem noção do que seja a internet. E ainda não é disso que estamos cuidando.
A reflexão que pretendo estimular é a que possa produzir uma análise cuidadosa do desenvolvimento da tecnologia da informação como oportunidade para jornalistas. São muitos os sinais indicando que a crise nas empresas de comunicação corresponde ao surgimento de oportunidades para outras formas de organização e atuação dos profissionais de comunicação. Em cada uma das vertentes que se configuram atualmente, na convergência dos meios criados ou transformados pela TI, surge a necessidade de profissionais qualificados para selecionar fatos, descrevê-los e entregá-los na forma mais adequada para milhões de cidadãos.
Mais do que procurar um emprego que não existe, talvez o melhor a fazer, para grande número de jornalistas, seria olhar esse novo mundo e se perguntar: o que é que eu realmente sei fazer? Em que ponto dessa rede posso pendurar minhas habilidades?
Com certeza, muitos irão encontrar um papel mais satisfatório do que o de bucha de canhão, na rotina estressante de ver seu emprego ameaçado a cada balanço da empresa onde trabalha, pelas ondas de crise que sacodem a mídia tradicional. Talvez o que a crise esteja nos dizendo é que precisamos reinventar nossa profissão.
* Jornalista. Artigo publicado originalmente no site observatoriodaimprensa.com.br

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