L"Unità, Correio do Povo e Nord Matin

Por Sérgio Capparelli O jornal italiano l"Unità, fundado em 1924 por Antonio Gramsci, teve na semana passada uma solução para a crise financeira e …

Por Sérgio Capparelli

O jornal italiano l"Unità, fundado em 1924 por Antonio Gramsci, teve na semana passada uma solução para a crise financeira e política e editorial que  o afligia nos últimos anos : foi adquirido pelo governador da Sardenha, Renato Soru, dono de empreendimentos digitais conhecidos na Itália como Tiscali. Não se trata de uma simples aquisição . O empresário garantiu a continuidade das bases políticas e editoriais do jornal , com possibilidade de aproveitar  oportunidades no  espaço multimidiático, junto com outros empreendimentos do grupo .


Renato Soru explicou seu lance político e empresarial : " Não era possível que o jornal de Gramsci e de Berlinguer fosse tratado como uma mercadoria qualquer . Quero preservar um patrimônio da cultura e da democracia ". Após a aquisição , ele confirmou que o jornal fará parte de uma fundação , mas com objetivos claros de mercado .


O l"Unità foi de 1924 a 1991 órgão oficial do Partido Comunista Italiano. Em 1974 chegou a ter uma tiragem diária de 239 mil exemplares. Seus percalços depois de 1991, com dificuldades de se adaptar ao mercado, fizeram com que muitos temessem pela sua continuidade. E a decisão de Soru, um grande empresário, de mantê-lo à esquerda do espectro político italiano trouxe alívio aos seus leitores. Logo depois do anúncio, outras pessoas, como o editor Carlo Feltrinelli, mostraram-se abertos a uma participação.


Essa solução para l"Unità leva a pensar no que aconteceu em 1968 na França, quando o empresário Robert Hersant comprou o Nord Matin, um jornal comunista de Pas-de-Calais. A redação do jornal entrou em polvorosa , pois se tratava de um jornal fundado pela Resistência , durante a ocupação nazista . E todos os jornalistas , menos de 25 anos depois , seriam despedidos.


Veio então a surpresa . Robert Hersant mandou dizer que a linha editorial do jornal comunista seria mantida, desde que continuasse a dar lucros . E pouquíssimos jornalistas   pediram para sair , utilizando a cláusula de consciência , um dispositivo na lei de imprensa francesa que protege os jornalistas em caso de mudança repentina da linha editorial de um meio de comunicação . Talvez tivessem razão . A aquisição do Nord Matin era mais uma jogada empresarial de Hersant, que o fechou algum tempo depois .


Essa dança de cadeiras empresariais não é rara . Ainda pouco tempo o jornal Correio do Povo foi adquirido por um grupo religioso brasileiro , proprietário de outros jornais , emissoras de rádio e de televisão . E esse caso é o oposto da aquisição do Nord Matin. Na França, havia um empresário puro e duro , que adquiriu um jornal com objetivos de doutrinação socialista e se disse disposto a manter essa linha ideológica, caso os lucros não  fossem interrompidos. Em Porto Alegre , um grupo com objetivos de doutrinação religiosa adquiriu um jornal com objetivo empresarial puro e duro e manteve a mesma linha editorial , desde que continuasse a dar lucros .


Tudo indica que o Correio do Povo vai continuar ainda por muito tempo , impedindo um avanço da concentração de mídias nas mãos de Zero Hora e da RBS. Até porque é muito difícil que hoje lucro um jornal oficial da Igreja Católica , Igreja Evangélica , Pentecostal , do PSDB ou do PT. Em outras palavras , os jornais são vistos pelos empresários como investimento e o nhenhém de interesse público é isso mesmo : nhenhém. Muito rara , portanto , a atitude de Renato Soru, falando empreservar um patrimônio da cultura e da democracia . A não ser que se trate de um nhenhém em italiano


O delegado de polícia Stefano Berrettoni, no entanto , parece irredutível , conforme entrevista aos jornalistas : " Exclusivamente por razões de segurança , estão proibidas manifestações fora do perímetro da Feira do Livro . Quanto ao que acontece dentro da Feira , não é de minha competência e ficarei atento , para tomar as medidas cabíveis ".


* Sérgio Capparelli é jornalista e escritor, colaborador de Coletiva.net.

Imagem

Comentários