Licitações de publicidade: Polêmicas

Por Roberto Schultz "O trabalho nobiliza o homem. Mas o diabo é que, depois que fica nobre, o homem não quer mais trabalhar" (Barão …

Por Roberto Schultz
"O trabalho nobiliza o homem. Mas o diabo é que, depois que fica nobre, o homem não quer mais trabalhar" (Barão de Itararé)
Sempre gostei do humor do Barão de Itararé, que era gaúcho, e sou tão fã dele quanto sou do Luis Fernando Verissimo. Este último porque, além de excelente escritor, é um homem de opiniões, corajoso. A gente sabe que nós, os gaúchos, gostamos tanto de enaltecer os nossos, às vezes exageradamente, quanto de polemizar. Às vezes fazemos tudo isso de uma só vez, ufanismo gaúcho e polêmica. Vide A Casa das Sete Mulheres e as inconformidades que anda gerando em alguns gaúchos. A Letícia Wierzchowski, a autora, enquanto escrevia, certamente não imaginou que a sua obra iria ser globalizada e, depois das transformações para a tela, polemizada aqui e alhures.
A polêmica, no entanto, não é prerrogativa nossa. O Brasil inteiro VIVE de polêmica e as polêmicas que aqui gorjeiam também são as mesmas que gorjeiam por lá, em se tratando de licitações públicas de Publicidade e Propaganda. Algumas antigas. Noutro dia a assessora do Diretor Jurídico de uma entidade afeta à Propaganda me disse ao telefone, como uma grande novidade: "o Diretor emitiu um parecer dizendo que as licitações de publicidade têm de ser do tipo TÉCNICA E PREÇO". "Grande África!", como se dizia quando eu era guri. Isso todo mundo sabe, e quem lida com publicidade entende que não há outra forma de classificar agências numa licitação se não for pelo justo e rigoroso casamento daqueles dois critérios.
Na minha opinião, a TÉCNICA sempre tem sido nivelada por cima e os preços sempre "tabelados" por baixo. Ou seja, agências sólidas e tradicionais com 10, 20 ou 30 anos de mercado, na hora de concorrerem com o pessoal do "Fundo de Quintal" (Não, não é grupo de pagode, mas?) vêem ser atribuído às suas peças o mesmo valor que é atribuído não ao trabalho dos iniciantes; porque há iniciantes muito bons, mas aos amadores.
Não bastando, as mesmas sólidas e profissionais agências acabam levando uma rasteira no PREÇO. Acabam perdendo a licitação ou, quando ganham, são obrigadas a "acompanhar" o preço daquela que cotou mais baixo. Às vezes bem mais baixo.
Assim, a Administração Pública (que os publicitários gostam de chamar indistintamente de "Governo") acaba obtendo um contrato extremamente vantajoso para si, o que aliás é uma obrigação sua prevista em Lei, e tem à sua disposição a MELHOR TÉCNICA pelo MENOR PREÇO, o que - como já tenho dito - é um contra-senso. Nada do que é bom é barato. Menos ainda a publicidade. Aquela história do "ganho pouco, mas me divirto" valeu para os índios do Descobrimento que trocavam pedras preciosas por espelhinhos.
Conforme manifestei no meu site, a Associação Brasileira de Propaganda - ABP, por seu Presidente Armando Strozenberg, quer substituir a atual Lei de Licitações (8.666/93) como critério para escolha de agências aptas a prestar serviços ao "Governo". Segundo ele, tais agências "por sua especificidade, devem ser avaliadas por seu talento, currículo e por sua capacidade técnica de atendimento".
E talento, currículo e capacidade de atendimento têm sido considerados, pero no mucho. Discordo, porém, do Presidente da ABP em querer substituir a Lei. Claro que ele tem razão quando diz que o critério "CAPACITAÇÃO" deve passar longe dos preços ou até de questões subjetivas (e obscuras) como "agência-do-partido-que-venceu-a-eleição", "agência-com-clientes-na-mídia-nacional" ou até o prosaico "o pessoal da agência é bacana e está sempre rindo", como eu já ouvi uma vez. Eu também riria sozinho se fosse publicitário e pegasse algumas contas dessas.
Embora com razão, o Presidente da ABP, no seu desejo de uma "avaliação técnica pura", substituir a Lei de Licitações como critério seria dar margem a desigualdades e isso, creio, o Governo jamais deveria permitir. Porque a Lei, apesar de todas as falhas e de já estar comemorando neste ano o seu 10º aniversário, é boa e aplicável. Palavra de quem lida com ela há pelo menos oito desses dez anos e com publicidade há quase isso.
Deve-se melhorar a Lei um pouquinho. E principalmente qualificar as Comissões de Licitações dos órgãos da Administração, pedindo ou contratando especialmente a mediação de representantes (com a neutralidade possível) das associações e entidades, nacionais ou locais, ligadas à publicidade. Chamar representantes da ABAP, ABERT, ABP, FENAPRO ou dos Sindicatos de Agências para atuarem como expert, ao lado dos funcionários do próprio órgão licitante, opinando não apenas em questões de preços (CENP), mas também técnicas!
Em Santa Catarina, por exemplo, o Sindicato (SAPESC), sob a presidência do publicitário Saulo Silva, a quem eu tive a oportunidade de visitar, atua direta e intensivamente opinando e fiscalizando as licitações, sob o âmbito do CENP. O que eu sugiro é fazê-lo, também, em relação às questões técnicas, assessorando abertamente as comissões de licitações, permanentes ou especiais, ou discutindo com as mesmas os seus critérios TÉCNICOS de julgamento, mediante consultas escritas e fundamentadas.
A Lei de Licitações, no seu artigo 51, § § 4º e 5º, que tratam justamente da investidura das comissões de licitações, defende a qualificação técnica dos seus membros, especialmente no § 5º, que diz que "No caso de concurso, o julgamento será feito por uma Comissão especial integrada por pessoas de reputação ilibada e reconhecido conhecimento da matéria em exame, servidores públicos ou não". Então a Lei já está dotada da possibilidade de se realizar um julgamento técnico imparcial e dinâmico. Não é necessário modificá-la, apenas modular a sua aplicação.
Há outros pontos polemizados nas licitações, além desses. Eu digo "polemizados" porque não suscitam necessariamente necessidade de discussão. Um deles é o briefing ou a ausência do próprio. O planejamento de mídia feito a priori pelo órgão licitador. Ou a exigência de um profissional de nível superior, responsável técnico pela agência. Também a discutida e combatida exigência de um capital mínimo ou da prestação de garantia para participar na licitação. A velha dúvida sobre a cessão de direitos autorais sobre as peças produzidas na vigência do contrato. A questão da forma de expedição da nota fiscal (receita bruta ou deduzido o repasse a terceiros?) e a incidência tributária. A aprovação prévia dos serviços, pelo cliente. A discriminação sobre as responsabilidades tributárias e trabalhistas da agência. As multas contratuais aplicáveis a fornecedores e terceiros.
O próprio órgão licitador, por sua vez, muitas vezes encontra dificuldades em prorrogar o contrato com a agência que lhe atende, enquanto pende a licitação nova e seus recursos administrativos e judiciais. O licitador não pode ficar sem publicidade e não contratou a agência nova ainda. E é possível prorrogar o contrato, na forma da Lei.
Os pontos relativos ao Edital como os que eu citei e já discuti em várias licitações, no entanto, ou até outros, poderiam ser eliminados ANTES da abertura da licitação mediante um instrumento previsto na Lei de Licitações e que os publicitários pouco usam chamado Impugnação ao Edital. A Impugnação é muito usada pelas empresas de construção civil, por exemplo, nas licitações nas quais participam ou pretendem participar. E atenção publicitários: isso NÃO significa "brigar" com o órgão e nem "se queimar", receio presente em quase toda a classe, como tenho tido a oportunidade de perceber. Significa "exercer direitos" e se fazer respeitar.
É um jeito de demonstrar a unificação do entendimento e da ética da classe publicitária, não querendo se prevalecer apenas da "nobreza" (ou tradição ou porte da agência), mas também demonstrando a disposição de trabalhar de forma correta num mercado que teve a capacidade de se auto-regulamentar.
Isso, como queria o Barão de Itararé, manterá a todos, além de nobres, também trabalhadores.
* Advogado de agências de propaganda.

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