Licitações e a Operação Lava Jato

Roberto Schultz A Operação Lava Jato nos remete a algumas reflexões não apenas sobre o que acontece pontualmente no seu contexto como também nos …

Roberto Schultz
A Operação Lava Jato nos remete a algumas reflexões não apenas sobre o que acontece pontualmente no seu contexto como também nos impele a refletir sobre aquilo que ela poderá significar em todos os procedimentos de licitação e de fiscalização de contratos administrativos daqui para a frente. E que poderão afetar de forma irrevogável a condução das Contas Públicas do País. Mudança essa que, aliás, não sou eu quem está alardeando, mas o próprio Governo.
A expressão rent-seeking (que em português foi livremente traduzida por "teoria do caçador de renda") foi criada em 1974 pela economista americana Anne Osborne Krueger, que hoje tem 80 anos de idade. Segundo a definição mais acessível de rent-seeking para os leigos em Economia (como é o meu caso), seria o gasto de recursos visando enriquecer a própria pessoa ao aumentar a sua participação em uma quantidade fixa de riqueza ao invés de tentar criar riqueza. Não é um ganho que gere produtividade, apenas riqueza pessoal para os envolvidos, dentro de algo que já existe.
Essa teoria foi referida pelo autor FABIANO DE CASTRO no interessante artigo denominado "A Corrupção no Orçamento: Fraudes em Licitações e Contratos com o Emprego de Empresas Inidôneas" que, não por acaso, foi apresentado ao Instituto Serzedello Corrêa, justamente do Tribunal de Contas da União, como requisito parcial à obtenção do grau de "Especialista em Orçamento Público" por aquele autor, no ano de 2010.
Segundo o mesmo autor, pela teoria dos rent-seeking  os agentes econômicos buscam o ganho privado a qualquer preço, nem sempre seguindo as regras de conduta econômica e social que se espera deles. O incentivo para que esses agentes busquem mais atividades "caçadoras de renda" do que atividades produtivas reside no fato de que determinadas regras do jogo econômico, político e social geram um sistema de "incentivos".
Citando o autor MARCOS FERNANDES SILVA, ele diz que "a relação entre a teoria do caçador de renda e a corrupção dá-se na própria definição da função objetiva dos agentes públicos e privados e na estrutura de incentivos que predomina dentro da sociedade. A rigor, todos os agentes, se puderem, caçam renda dentro e fora da lei, caso não haja nenhuma consideração de restrição moral ou legal que imponha algum custo à ação." Ou seja, diz que a restrição moral ou legal que impede o comportamento rent-seeking, dentro da lei, ou corrupto, fora da lei, é a própria punibilidade dos atos.
E, por fim, faz referência ao chamado "tripé do desvio ético no qual a corrupção se apoia", que é formado pela necessidade; pela oportunidade e pela impunidade. Nem vou discutir as questões da necessidade e da oportunidade porque nesse caso da Lava Jato isso já está sendo meio escancarado pelos meios de comunicação.
Vou discutir, isso sim, a impunidade. E nem vou chegar ao Poder Judiciário com todo aquele "teatro" (para o bem e para o mal; o devido e o indevido) que ocorreu no caso do Mensalão. Fiquemos, pois, na esfera administrativa, antes mesmo de chegarmos ao Judiciário, nesse caso do Petrolão.
Não sejamos ingênuos. Já ficou claro que esse problema na Petrobras não começou agora, o que inclusive um dos presos já confirmou dizendo ele iniciou-se lá no ano 2000, ainda durante o Governo de Fernando Henrique Cardoso. Assim é que a Operação Lava Jato provavelmente mostrou o que em governos anteriores (de qualquer partido) era somente "insinuado". Todo mundo acha fácil e divertido chutar uma onça morta quando ela já está no chão. Difícil (ou indesejável) é caçar as onças vivas que saíram ilesas em gestões anteriores.
Independente disso, não se pode justificar o erro com a alegação de que "todo mundo roubava". Os envolvidos precisam ser proporcionalmente responsabilizados.
Mas uma questão parece estar sendo tratada num desagradável segundo plano. E ela pode vir a se tornar veículo de injustiça em relação a todos os demais contratados da Administração Pública (inclusive da própria Petrobras), que nada têm a ver com esse intragável pastel.
É o seguinte: parece causar algum pavor no Governo o fato das empreiteiras envolvidas serem as responsáveis por boa parte dos bilhões que o Setor faturou em 2013 e que, em tese, se punidas elas forem, isso "paralisará o País".
Tudo bem. Acertadamente a Presidenta já declarou que não se pode atribuir a toda a Petrobras a conduta de alguns dos seus integrantes. O princípio é do Direito Penal, sendo necessário individualizar as condutas apontando quem fez o que. Havendo agentes públicos envolvidos e comprovadamente atribuídas as respectivas responsabilidades, a Petrobras, como empresa que é, estará livre.
Porém, o mesmo princípio não se aplica às empreiteiras. Não no âmbito das Licitações Públicas e dos Contratos Administrativos.
Na Legislação das Licitações e na Lei Anti Corrupção, o chamado "comportamento inidôneo" dos contratados determina que as pessoas jurídicas sejam responsabilizadas objetivamente pelos atos lesivos.
E, no caso da Petrobras, parecem estar tentando utilizar a "estratégia" de isolar as pessoas físicas das empresas. Tudo bem, para a esfera do Direito Penal isso até serve. Pois quem se beneficiou do esquema do Petrolão não foi um responsável pelo material que estaria roubando esquadrias na obra e nem o soldador que passava o dia dependurado numa torre. Foi o diretor. E o diretor, em alguns casos, é também o próprio sócio da empresa. Então, nesse caso, dá para isolar e individualizar as condutas das pessoas físicas com relativa facilidade.
Porém, no Direito Administrativo e em Licitações isso absolutamente não existe. E se passar a existir agora, somente por causa do que aconteceu na Petrobras, o Governo estará não apenas inovando com a aplicação de algo que não existe na Legislação como sendo absolutamente injusto com outras empresas. Vale dizer, aquelas contratadas da Administração Pública, que eventualmente sofreram nas suas atividades as punições graves da Lei e nem sempre por atos decorrentes de rent-seeking e de corrupção.
Uma das empreiteiras até já apresentou comprovantes, na Justiça, de pagamento de propina aos diretores da Petrobras, por interposta pessoa, admitindo o ato criminoso. Ou seja, não se está negando que a corrupção ocorreu. Algumas estão tentando sair pela tangente no sentido de que eram "extorquidas" e que sem o pagamento de propina não conseguiriam ganhar obras. Com o Juiz que está cuidando desse caso, já ficou claro que isso não deve colar. E; parece que pouca gente está se dando conta disso, mas a discussão está se dando na Justiça Federal do Paraná. Cuja inevitável Segunda Instância Judicial será o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que abrange toda a Região Sul. E que fica aonde? Aqui em Porto Alegre. Aqui isso também não deve ser tolerado. Seja como for; ativa ou passiva, a corrupção existiu e envolveu as empresas.
Isso basta (ou deveria bastar) para que as empresas sejam suspensas de licitar ou contratar com a Administração Pública por 05 (cinco) anos. Basta, pois, para impedi-las (e às coligadas, de mesmo Grupo Econômico) de prestar serviços à Administração. Sem contar a aplicação das demais penas para as pessoas físicas, decorrentes do trâmite do processo na esfera do Direito Penal.
Aparentemente há uma tendência do Governo de ficar refém dessas empreiteiras por elas serem as maiores do País, com as melhores obras. Não deveria. Até mesmo o chamado tecido social que as compõe (empregados e trabalhadores indiretos) podem ser absorvidos pelas mesmas obras nas quais já estão alocados, desde que recontratados por outras (e idôneas) empresas com a mesma expertise. Portanto, para o dano social e a parte frágil aonde arrebenta a corda (os empregados) há solução.
O que não se pode é tentar perpetuar no País, em nome de suposta "minimização do dano" (ou de uma tradição empresarial), aqueles que sempre se aproveitaram do dinheiro público. Manter essas empresas ativas, quando já admitiram a sua participação nos crimes, é absolutamente injusto para com aqueles contratados da Administração Pública que estão sendo punidos (sem direito a qualquer espécie de tolerância do Governo) porque deixaram de entregar uma parte da obra ou porque "se enrolaram" financeiramente e não conseguiram entregar um determinado equipamento.
Nem mesmo as novas práticas empresariais resumidas no termo gringo compliance (mais um termo importado?), hoje tão em moda, podem, no âmbito das licitações, servir para isentar as empresas dos desmandos dos seus administradores e/ou sócios. Repito: em licitações, não existe essa "imunização da empresa" para jogar a culpa exclusivamente nas costas do administrador. A punida deve ser a empresa.
Ora, se é a restrição moral ou legal que impede o comportamento rent-seeking, dentro da lei, ou corrupto, fora da lei, é a própria punibilidade dos atos, então que os mesmos sejam exemplarmente punidos já na via administrativa, antes da natural demora da tramitação que se dá no Judiciário.
E se, ao contrário disso, as empresas deixarem de ser punidas porque o Governo teme a "paralisação do País" e essa "imunidade" passar a existir agora como decorrência do Petrolão, esse critério deverá ser aplicado - de forma isonômica - a todas as empresas que contratam com a Administração Pública. E não apenas como uma exceção e espécie de "benefício" em prol da manutenção das nove grandes empreiteiras nacionais.
Além disso, há males que vêm para o bem. É burrice generalizar que todos os empreiteiros sejam os "Irmãos Metralha" da Economia nacional. Empreiteiras e afins geram empregos, arrecadação e bem estar social.
Estando impedidas ou afastadas das obras as empresas corruptas de qualquer tamanho e por mais tradicionais que sejam, é preciso dar real oportunidade (sem acordos prévios) de participação para quem deseja prestar honesta e seriamente os seus serviços à Administração Pública.
Esse episódio deve servir para reinaugurar uma fase em que as concorrências sejam exatamente isso: um certame aonde vença quem seja tecnicamente melhor e com o preço mais vantajoso. E não os "amiguinhos" dos corruptos.
 
Roberto Schultz é advogado especializado em Direito da Publicidade e em Licitações Públicas.
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