Mau exemplo vira tendência

Por Raphael Perret O fato de a empresa Dow Right Consultoria em RH ter recorrido à Justiça para impedir a publicação de matéria na …

Por Raphael Perret
O fato de a empresa Dow Right Consultoria em RH ter recorrido à Justiça para impedir a publicação de matéria na revista Você S/A traz merecidamente à lembrança outras três atitudes semelhantes.
# 12 de julho de 2001: o então governador do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho, obteve liminar que impedia veículos de comunicação (O Globo e TV Globo) de divulgarem o teor de conversas entre ele e um conselheiro do TCE, Jonas Lopes de Carvalho. As fitas registrariam a discussão de uma propina a ser paga ao fiscal que permitiu a realização de sorteios do programa comandado pelo ex-governador no rádio e na TV. Semanas depois, o JB e até a Imprensa Oficial do estado ficariam impedidas de publicar a transcrição das fitas.
# 25 de maio de 2002: a desembargadora do Tribunal de Justiça de São Paulo Zélia Maria Antunes Alves concedeu liminar favorável ao juiz Renato Mehana Khamis. A sentença proibia que a mídia, inclusive de internet, divulgasse qualquer informação sobre o processo administrativo-disciplinar que corria (ou corre ainda; afinal, ninguém pode saber!) contra o juiz [acusado de assédio sexual].
(A propósito, foi mesmo difícil encontrar informações sobre a tal liminar, já que as notícias sobre o assunto foram retiradas da rede. O sítio de buscas Google, no entanto, registra em cache - isto é, num servidor próprio para rápida visualização - a página do Estado de S. Paulo com curta nota sobre a sentença. Clique aqui e confira)
# 23 de outubro de 2002: um oficial de justiça compareceu à sede do Correio Braziliense encarregado de censurar qualquer matéria que citasse trechos de uma gravação telefônica - com autorização judicial - que envolvia o governador do Distrito Federal, Joaquim Roriz, num escândalo de grilagem de terras. Roriz conseguiu, na Justiça, proibir a divulgação. Mas o desembargador Jirair Meguerian foi além. Determinou "busca e apreensão, com arrombamento ou entrada compulsória, na sede, se houver necessidade (?) de todos os exemplares do jornal Correio Braziliense, edição de 24.10.2002, desde que publique trechos ou a íntegra de conteúdo das fitas de gravação das conversas telefônicas interceptadas por ordem judicial"".
Pode-se afirmar, portanto, que virou moda funcionários públicos de alto escalão recorrerem à Justiça para impedir a divulgação de notícias que lhes são danosas. Se já é um acinte que pessoas comuns desconheçam a Constituição e expressões como liberdade de imprensa, o que dizer quando tentam cercear o jornalismo governadores e juízes?
Não se pode negar o direito de recorrer à Justiça a nenhum cidadão. Ou mesmo empresa, no caso da Dow Right Consultoria em RH. Até aí, tudo ocorre dentro dos limites da democracia. Mas essas fronteiras são superadas no momento em que o Judiciário concede liminares favoráveis aos reclamantes e, assim, censura previamente a imprensa, como se fosse a coisa mais normal do mundo.
Poder incomodado
A questão não pára aí. Outros acontecimentos recentes já expõem a implicância do Judiciário com a imprensa. A "Lei da Mordaça", emperrada no Congresso, puniria juízes e promotores que revelassem a repórteres o andamento de processos ainda não julgados. Uma juíza suspendeu a obrigatoriedade do diploma de jornalismo para o exercício da profissão, com argumentos frágeis e sem participação das comunidades acadêmica e profissional no debate sobre assunto tão sério.
É certo que a imprensa tem muitas manchas em seu currículo de "reportagens denunciativas". Os proprietários da Escola Base, por exemplo, tiveram a imagem destruída após a espetacularização irresponsável da cobertura da investigação de que teriam abusado sexualmente de seus alunos. Provou-se, depois, que os "acusados" eram inocentes.
A lei permite indenizações por danos morais. Atualmente, há diversos canais para se criticar a atuação da mídia. O resguardo dos direitos civis, sim, também se aplica a cidadãos e empresas. O que não se pode cogitar é de censura prévia. O que não se deve permitir é a tentativa de cerceamento da atividade jornalística, impedindo que informações cheguem ao conhecimento da sociedade. É inadmissível que qualquer instituição - governo, Judiciário, empresa - determine o que será ou não publicado por um veículo. A menos, evidentemente, que a instituição seja o próprio veículo.
O argumento de que notícias falsas podem estragar injustamente a imagem de alguém ou de alguma empresa e, daí, a censura se justificar, é falho. Primeiro, porque qualquer censura abre precedentes. Hoje são notícias falsas, amanhã são notícias parcialmente falsas, depois de amanhã são notícias verdadeiras as censuradas. Segundo, porque a tentativa de inibir a imprensa também danifica a imagem do reclamante.
Nada justifica, enfim, postura tão reacionária, insensata e antitética do Judiciário, poder que deveria atuar ao lado dos meios de comunicação, assegurando-lhes o direito à liberdade de imprensa e de expressão. Depois de observar todos esses atos censóreos, a defesa da "Lei da Mordaça", e a irresponsável suspensão da obrigatoriedade do diploma de jornalista, resta uma dúvida: por que a imprensa incomoda tanto a Justiça brasileira?
* Jornalista e mestrando em Sistemas de Informação pelo NCE-UFRJ. Artigo publicado originalmente no site www.observatoriodaimprensa.com.br

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