Meio bilhão de dólares em mentiras e meias verdades

Por Carlos Castilho

O Center for Responsive Politics¹, dos Estados Unidos, revelou que os cinco candidatos nas eleições presidenciais de novembro já receberam mais de um bilhão de dólares em doações e, segundo marqueteiros também norte-americanos, aproximadamente metade deste valor é dedicado ao financiamento de propaganda política que, é óbvio, exagera nas virtudes e omite os defeitos de cada aspirante à Casa Branca.
Hoje, é quase senso comum de que a propaganda é o item mais caro e o que mais consome recursos em qualquer campanha eleitoral de caráter nacional ou regional. E se levarmos em conta que numa campanha política o principal objetivo da propaganda é enviesar a realidade para ampliar os pontos positivos de um candidato, não fica difícil imaginar que os eleitores estão na verdade sendo submetidos a um bombardeio de mentiras e meias verdades.
O pior de tudo é que este processo não se limita apenas aos períodos eleitorais, como assinalou o norte-americano Joe Brewer, um especialista em estratégias de comunicação, num artigo intitulado "Vivendo num mundo de um bilhão de mentiras", reproduzido pelo site Medium. "Não temos mais tempo para plantarmos raízes na realidade, pois estamos vivendo num mundo de crises reais permanentes?cujo ritmo só aumenta?. Estar confuso num ambiente como este é um sintoma de sanidade mental".
Esta parece ser talvez a conclusão mais impactante de Joe. Poucos ainda duvidam que a propaganda política, e em boa parte também a comercial, falseia o que chamamos de realidade. O resultado é que somos empurrados para duas possibilidades: acreditar piamente naquilo que é disseminado pelos políticos e retransmitido pela imprensa, ou duvidar de tudo e viver numa incerteza permanente. Nossa educação nos leva a preferir sempre o lado mais seguro, o que acaba por nos jogar numa situação muito complicada.
Ao não questionarmos o que a mídia publica para poder ter um mínimo de tranquilidade mental, provavelmente estaremos nos afastando da realidade porque as estratégias de publicidade, por princípio, tratam de explorar apenas o lado positivo do candidato ou do produto, minimizando os dados e fatos negativos.
Os que escolhem duvidar de tudo, passam a viver num mundo cheio de incertezas, o que não é nada confortável e nem seguro, sem falar no fato de que serão hostilizados por aqueles que optaram por não ter dúvidas e que não admitem questionamentos de sua posição.
Como o ambiente que nos cerca tem vários lados, uns considerados bons e outros nem tanto, quem escolheu duvidar acaba ficando mais próximo da realidade e assim menos sujeito a surpresas impactantes.
O problema é que é muito difícil, quase impossível, uma existência imune aos efeitos de meio bilhão de dólares em mentiras e meias verdades, apenas nos Estados Unidos. O público está sendo obrigado a aprender sozinho a sobreviver neste oceano de dúvidas. Quem optou por duvidar, percebe com mais clareza a falta que faz uma imprensa realmente comprometida com o interesse público.
A omissão da imprensa
O maior aliado do leitor, ouvinte, telespectador e internauta é um jornal, revista, rádio, telejornal ou página noticiosa na Web que consiga identificar nas mensagens de políticos, empresários, lobistas, lideres comunitários e até intelectuais, onde está o interesse de cada um e onde estão os interesses e realidades dos demais interessados.
A imprensa não faz isto e o resultado é que somos forçados a fazer a absurda opção entre acreditar em tudo que é publicado, como a Velhinha de Taubaté², ou nos transformar em céticos empedernidos, permanentemente na defensiva. Na verdade, estes são apenas extremos porque é possível encontrar situações intermediárias que tornam a nossa sobrevivência informativa menos traumática. O problema é que cada um de nós terá que achar o seu próprio equilíbrio entre certezas e dúvidas.
A maioria da imprensa nunca se preocupou com este tipo de problema porque ainda parte do princípio de que o que ela publica é o certo, verdadeiro, justo, exato e relevante. Mas agora na era digital, a mídia já não pode mais se dar-se o luxo de ignorar os dilemas do público, ao mesmo tempo em que os conceitos de verdade, relevância, exatidão e justiça tornaram-se relativos diante da crescente diversidade de perspectivas publicadas na internet sobre um mesmo fato, dado ou evento.
O inédito, neste mundo em que candidatos gastam meio bilhão de dólares para criar verdades numa única eleição, é que a mudança de atitudes está sendo puxada pelo público e não pela imprensa, mais interessada em captar parte desta montanha de dinheiro em anúncios. E por incrível que pareça a maioria das pessoas que busca um mínimo de equilíbrio no meio do caos informativo acaba descobrindo que assumir a incerteza e dúvida confusão é o melhor indício de sanidade mental.
¹Numa tradução livre Centro para uma Política Atenta aos Interesses dos Eleitores. Responsive não é sinônimo de responsável.
²Personagem de humor criado por Luis Fernando Veríssimo na época da ditadura militar numa paródia aos que acreditavam em tudo o que o governo dizia e prometia.
Carlos Castilho é jornalista, editor do site do Observatório da Imprensa e pós doutorando em comunicação digital.

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