Memórias de um cidadão comum

Por Gibran Tschiedel Dipp Como a publicidade influenciou meus dias chuvosos (artigo hiperdinâmico no estilo de Tom Wolfe) AHAHAHAHAHAHAHAHAHAH!!!!! Você está sentado em algum …

Por Gibran Tschiedel Dipp
Como a publicidade influenciou meus dias chuvosos

(artigo hiperdinâmico no estilo de Tom Wolfe)

AHAHAHAHAHAHAHAHAHAH!!!!! Você está sentado em algum canto da sua casa, em sua mesa de trabalho, dentro de um carro em um novo engarrafamento, na frente da televisão e, mais uma vez, é pego de surpresa. Você pisca os olhos e começa a pensar: eles conseguiram, mais uma vez, esses caras conseguiram. Chega a dar uma ponta de inveja! Chega a ter vontade de não ligar nunca mais uma TV! Chega ao ponto de você duvidar se é mesmo um homo sapiens, a duvidar se tudo aquilo sobre evolução que os cientistas vivem dizendo se aplica a você! O cérebro em saltos rodopiantes, um caso de estudo para o Oliver Sacks. Então você olha pela janela, os dias chuvosos continuam freqüentes, e percebe que aquela propaganda não sai da sua cabeça.
E, neste momento, deveriam existir umas 300 pessoas, em umas 10 agências de ponta, grandes, médias e pequenas, voltadas unicamente para o negócio. Dos um milhão trezentos e sessenta mil habitantes da cidade, dos 3 milhões que estão, neste momento, vivendo e perambulando pela região metropolitana, essas 300 pessoas, inquietas, inseguras, arrogantes, maravilhosas, complexas, criativas, velhacas, ingênuas, mordidas pela fobia do "fazer bem feito", estimuladas pela vontade de mostrar-se cobertas de glória mundana, agitadas pela incompreensão dos clientes, em busca da "melhor campanha pelo preço mais justo", corriam contra o tempo - esquecendo-se da chuva e do frio que fazia a cidade afundar como se estivesse em uma panela de pinhão fervendo -, para simplesmente movimentarem o negócio da propaganda.
Lá estão. Veja-os! Tornando a 10ª cidade em população do país capacitada a movimentar uma das maiores receitas publicitárias. Essa diferença entre tamanho e visibilidade, desvirtuando a máxima de consumo de que "quanto mais gente, mais gastos", deixa com uma ponta de resignada ciumeira as cidades rivais. Mas o pessoal não pensava no assunto. Simplesmente chegavam pela manhã no trabalho e saiam quando o trabalho parecia terminar - e os horários que o trabalho parecia terminar nunca eram próximos do que o bom senso chama comumente de "jornada de 8 horas diárias".
Não que as campanhas, em sua totalidade, pudessem ser chamadas de geniais; não que o chão liso da inadequação deixasse de cobrar seus tombos vez por outra; não que todos os dias fossem bons dias - nem lá fora eram -, apenas que existiam poucos setores da economia tentando, com a pertinência deles, buscar o melhor. E eles deslizavam mais do que caíam.
Sempre foi uma cena comum da cidade você abrir os jornais para olhar o que as agências haviam preparado em termos de anúncios para aquele dia. Você abria os jornais pronto para dar uma boa risada ou balançar afirmativamente cabeça, concordando com alguma idéia materializada para o seu deleite.
E este trabalho estava sendo feito na sua cidade, debaixo do seu nariz, e você não tinha a mínima idéia de quem estava por trás disso!
Xiiiiiiiiiiiiiiii, como você estava por fora!

Você não vai encontrar Bach no negócio da publicidade com a mesma freqüência que uma rádio cultural o tocará, ou discutir as qualidades e defeitos do Cinema Marginal brasileiro, nem conversar sobre as inovações formais que O bom soldado, de Ford Madox Ford, trouxe à literatura com a mesma freqüência do que ouve auto-elogios de seus superiores para a empresa em que trabalha - normalmente sem se dar conta de que os ouvintes de seus superiores são, invariavelmente, funcionários da mesma empresa -, mas quando perceber que montar quebra-cabeças, descascar pepinos, reinventar o batido e enterrado, são funções cotidianas destas empresas, sua percepção do negócio vai modificar-se em alguns graus. Você acaba entendendo, caso tenha a sorte de trabalhar algum dia em uma agência de publicidade, que em nenhum outro lugar poderia aprender informações técnicas e percepções de vida, como ali. E então vai achar ainda mais surpreendente que, no meio de tanta correria, no meio das decisões imediatas tomadas no pega-pra-capar da finalização dos prazos, esse material especial consiga ser realizado, pronto para você desfrutar, dia após dia.
Olhem eles lá! Homens e mulheres, sentados em frente a computadores ou em mesas de reunião de tampo de fórmica creme, em cadeiras giratórias modelo secretária sem-braços forradas em tecido azul-fundo-do-mar, estimulados por cafezinhos açucarados em copinhos plásticos estilo repartição pública, soterrados por pilhas de papéis, revistas, jornais, impressões em quatro cores esperando a aprovação dos clientes, trocando opiniões em jargão ininteligíveis para quem não é do ramo, cidadãos comuns, tocando o negócio da propaganda para que eu e você deixemos de lado velhos gostos, velhas idéias, velhos conceitos e possamos aproveitar os dias chuvosos e nem tão chuvosos assim, sacando nas rádios, TVs, jornais e outras mídias, o que esses malucos prepararam para nós.
* Assistente de Planejamento da Agência Matriz
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