Mídia não é campo de batalha

Por Alberto Dines As partes estão excitadas, os militantes exibem os tacapes. O confronto de 2010 deve obedecer a limites: não pode ultrapassar o …

Por Alberto Dines
As partes estão excitadas, os militantes exibem os tacapes. O confronto de 2010 deve obedecer a limites: não pode ultrapassar o plano eleitoral onde há regras, monitoramento, órgãos disciplinadores e, sobretudo, magistrados insuspeitos. A entrevista do ministro Carlos Ayres Brito (Estado de S.Paulo, domingo, 7/3, pág. A-8), na condição de presidente do Tribunal Superior Eleitoral, é uma prova disso: desestimula a truculência e enquadra os eventuais provocadores.
Mas a transferência da disputa para o precário terreno da imprensa é preocupante. A liberdade de informação foi há sete meses suspensa pelo Judiciário para proteger o chefe do Poder Legislativo, a Lei de Imprensa foi indevidamente anulada, as normas que regulavam o direito de resposta foram irresponsavelmente dissolvidas, não existem órgãos reguladores nem auto-reguladores. A única experiência de convívio corporativo dentro da mídia - o Conselho de Comunicação Social - foi arquivada para atender os interesses comuns das empresas de mídia e do governo federal.
Como se não bastassem as dificuldades internas, os exemplos de confrontos midiáticos nos países vizinhos só ampliam o estresse e o ânimo combatente.
Padrões de exigência
Está na hora de baixar a pressão. O presidente Lula, aparentemente, já percebeu o perigo e está acionando seus dotes apaziguadores. Mas é preciso desarmar os detonadores dos dois lados. Os radicais são radicais porque só assim podem aparecer. Sem exacerbações, tornam-se inúteis, somem.
A crítica aos meios de comunicação deve ser feita com competência, conhecimento de causa, sem bandeiras partidárias, a serviço do esclarecimento. A crise dos meios de comunicação é hoje abrangente e transversal, visível globalmente, mas o único setor que deveria abster-se de atuar como crítico da mídia são os governos e governantes. Com o poder de que dispõem, suas observações, mesmo pertinentes, transformam-se automaticamente em ameaças.
São justamente as ameaças que neste momento perturbam o processo eleitoral. Eventos ruidosos não solucionam disfunções crônicas, sobretudo as situadas nos desvãos das instituições. O jornalismo é um processo informativo que dispensa os fóruns sobre jornalismo. A obsessão por comícios é compreensível em políticos, condenável naqueles que a sociedade escolheu para produzir reflexão e ponderação.
Há na mídia brasileira áreas imunes ao radicalismo. Não são melhores nem piores do que os irredentistas, a diferença é que observam o processo holisticamente e, assim, armados de um ceticismo suprapartidário, tornam-se aptos a aplicar os mesmos padrões de exigência em todos os quadrantes.
Debate sobre a imprensa

Antes das comoções que envolveram seus sistemas midiáticos, tanto a Venezuela como a Argentina não dispunham de entidades dispostas a identificar as disfunções que comprometiam a fluência e independência do processo informativo. O debate público sobre mídia só ocorreu depois da irrupção dos confrontos entre governos e corporações de comunicação.
O Brasil começou a discutir o desempenho da mídia décadas antes, mesmo que certos artigos da Constituição de 1988 tenham ficado sem a necessária regulamentação (caso do Conselho de Comunicação Social, que esperou 14 anos para transformar-se em realidade e evaporar-se logo em seguida). Mas fomos pioneiros em universalizar o debate sobre a imprensa.
Esta é uma vantagem que deveria ser aproveitada agora, imediatamente, antes que a disputa eleitoral converta-se em foco de intoxicação permanente.

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