Mordaça no Planalto

Por Adão Oliveira A partir de agora, os jornalistas acreditados no Palácio do Planalto, sede do governo, em Brasília, só poderão entrevistar as autoridades …

Por Adão Oliveira
A partir de agora, os jornalistas acreditados no Palácio do Planalto, sede do governo, em Brasília, só poderão entrevistar as autoridades na presença de testemunhas.
Nem mesmo os profissionais de imprensa se enquadram no rol de cidadãos dispensados dessa cautela, por um famigerado decreto assinado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, antes de seguir para Moscou.

É a Lei da Mordaça, travestida.
Fernando Henrique, conhecido como "o príncipe dos sociólogos", do alto de seu espírito democrático, decretou que todos os funcionários que o servem no Palácio do Planalto - e são muitos - passam a estar sob rigorosa suspeição. Segundo o documento, assinado pelo lúcido Chefe de Estado, reconhecido no exterior como Estadista, audiências concedidas por funcionário do palácio a cidadãos comuns exigem a presença de outro servidor como testemunha.
Até parece que os cidadãos comuns são os que, em negociações realizadas com autoridades do Planalto, trocam votos no Congresso por obras ou verbas, o conhecido e deplorável sistema do "é dando que se recebe".

Que vergonha!
Tomando por base que o Palácio não tem quadro de pessoal - todos os que lá trabalham são requisitados de outros órgãos do governo e ganham gratificação para lá servir - a coisa fica, ainda, mais nojenta.
Os atingidos são pessoas que ocupam cargo de confiança sem, na verdade, merecerem a confiança do chefe maior.

Hipocrisia pura!
Vejam que ridículo. O código que cria a testemunha da ética prevê que emitir opiniões sobre atos do governo ou falar do vizinho de mesa pode acabar em demissão.
Outra aberração: Até cair na farra depois do expediente pode acarretar punição por falta grave.

Isso é asneira!
Se levassem essa regra a sério, o Palácio do Planalto correria o risco de ser fechado por falta de funcionários. Eles, na sua maioria, caem na farra depois do expediente, especialmente, das quintas e sextas-feiras.

É uma festa!
Pelo que li e pelo que conheço do Presidente, acho que ele assinou esse decreto na escada do avião que o levou à Moscou.

Às pressas, nas coxas.
O sociólogo Fernando Henrique sabe muito bem que não se estabelece o comportamento ético de alguém por decreto!

Ética, como confiança, se tem ou não se tem.
Mas, vamos lá. Essas normas atingem os agentes públicos em exercício fixo, temporário ou eventual. Contemplam do contínuo ao chefe-de-gabinete, da faxineira ao digitador terceirizado.

Além de preconceituoso, esse decreto é autoritário é burro.
Pasmem. Por ele, Pedro Parente e Arthur Virgílio, ministros chefes do Gabinete Civil e da Secretaria-Geral da Presidência, estão proibidos de opinar sobre o desempenho de membros do Congresso.

Criticar a oposição, então, nem pensar!
Somente FHC não é atingido pelo regulamento. Sua conduta é regulada pela Constituição mais flexível do que as regras baixadas para os servidores.
Mas as inteligências que conceberam - sem testemunhas - essa obra, ainda encontraram razões para a sua edição. Eles pretenderam mostrar ao servidor da Presidência o quão especial ele é por trabalhar no Planalto, "uma rara distinção ao agente público", como tentam justificar.

O tiro saiu pela culatra.
O funcionário está se sentindo um lixo. Culpado, sem cometer nenhum delito. Até que prove em contrário.
A quem cabe recorrer do pretenso erro? A uma comissão de vestais. Nessa comissão, o incauto funcionário não terá representante.
Mas ainda bem que nada disso vai pegar. Mesmo assim, "vai sobrar para o Presidente". Num ano de eleições presidenciais, assinar um decreto desses é, no mínimo, inabilidade política, para não dizer burrice.
Fernando Henrique, que, acredito, não deve ter lido o que assinou, nem se preocupou como o tema "direitos humanos", como fazia nos velhos tempos dos bancos acadêmicos. Se tivesse lido o documento o teria mandado para Paulo Sérgio Pinheiro, secretário de Direitos Humanos, do Ministério da Justiça. Na certa, o professor Pinheiro sugeriria que o Presidente da República, outrora atento à essas questões, o rasgasse.

Solenemente!
( [email protected])

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