Nada de novo na frente

Por Luís Edgar de Andrade “Quando começa uma guerra, a primeira vítima é a verdade.” Um senador americano, Hiram Johnson, ficou famoso na Primeira …

Por Luís Edgar de Andrade
"Quando começa uma guerra, a primeira vítima é a verdade." Um senador americano, Hiram Johnson, ficou famoso na Primeira Grande Guerra, ao dizer isso, em 1917, perplexo com as distorções da versão oficial. No final dos anos 60, quando o americanos estavam atolados no Vietnam, à procura de uma saída, citou-se muito o tal senador, de que nunca mais se ouviu falar. A bem da verdade, não houve censura à imprensa, da parte dos Estados Unidos, na guerra do Vietnam. Os jornalistas credenciados tinham liberdade de ir aonde bem entendessem. Houve apenas uma campanha de amaciamento para que eles pautassem mais os chamados "aspectos positivos". Quem cobre qualquer governo conhece a expressão.
A censura a nossos telegramas ficou a cargo das autoridades sul-vietnamitas. Em março de 1968, depois da ofensiva do Tet, 637 correspondentes se acotovelavam nas ruas de Saigon, entre motos e bicicletas. Dez por cento deles iam, no fim da tarde, a uma entrevista coletiva conhecida como "The Five O"Clock Follies" ou "Loucuras das Cinco Horas". Sempre foi assim. O escritor inglês Graham Greene, que cobriu à guerra da Indochina, contou como eram anunciadas as baixas naquele tempo: "Grande vitória a noroeste de Hanói. Os franceses reconquistaram duas aldeias que jamais nos disseram que haviam perdido. Grandes baixas no Vietminh. Os franceses não tiveram tempo de contar quantos homens perderam, mas seremos informados dentro de uma ou duas semanas".
Na prática, os jornalistas cobriram a guerra do Vietnam no bar do Hotel Continental, em Saigon, onde bebiam cerveja San Miguel, de olho nas vietnamitas de vestido ao dai, dando tratos à bola para descrever o que não viam. Dos 637 correspondentes de carteirinha, uns 50, quando muito, arriscavam a vida, de base em base, tentando chegar aos cafundós, na fronteira do Laos ou do Camboja, onde pudesse haver luta corpo a corpo.
O repórter Peter Arnett, da Associated Press, era um desses que eu via, no meio do mato, em toda parte. Lembro-me de que, certa vez, ele cobriu uma operação de caça a vietcongs, na chamada zona D da guerra, junto a uma companhia da 173ª Brigada de Pára-Quedistas. Nesse dia, onze americanos morreram e 40 ficaram feridos. Uma carnificina. Como era proibido citar o número exato de mortos e feridos, Arnett escreveu apenas que a unidade tinha sofrido "muitas baixas". A expressão lhe pareceu razoável, tendo em vista que metade dos homens estavam feridos. No dia seguinte, na coletiva das cinco horas, levou uma bronca do porta-voz, sob o argumento de que "a nível de batalhão" as perdas eram leves.
Quando os americanos descerem, em Cabul, para enfrentar a guerrilha talibã debaixo de neve, quero ver se autorizam a presença de jornalistas. Mal o conflito começou, as redes americanas de televisão já estão sendo pressionadas para não divulgar o que diz o inimigo. Essas pressões chegam às TVs brasileiras, via CNN, que fornece imagens à maioria delas. Está difícil separar o jornalismo da propaganda. Nada de novo na frente, como diria o romancista Erich Marie Remarque. Em tempo de guerra, mentira é como terra.
(*) Correspondente de guerra, em 1968, no Vietnam. Artigo originalmente publicado no site www.observatoriodaimprensa.com.br.

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