Não basta ser bonito

Por Caio Perez

Recentemente assumi o compromisso de criar e ministrar um curso de 18 horas sobre Criação Publicitária. Mais especificamente, sobre a função de Diretor de Arte. Encarei essa tarefa como uma grande oportunidade de falar não somente sobre as técnicas que aprendi ao longo da carreira, mas também sobre um incômodo que venho sentido no nosso mercado de publicidade. Na aula em que falo sobre layout, eu dedico um slide inteiro para a seguinte frase:

Não basta ser bonito. Tem que ter propósito.

Esse tópico, que a princípio parece simples e/ou corriqueiro para muitos dos meus colegas de profissão, veio a mim depois de ter feito uma espécie de "tour" como freelancer em diferentes agências do mercado gaúcho. Ao trabalhar nestes lugares, conheci muitos aspirantes a Diretor de Arte e Assistentes de Arte, e pude notar um comportamento comum a todos: o foco na estética da peça publicitária acima da mensagem que ela deveria transmitir.

Em uma dessas agências, um dos Assistentes de Arte me pediu para avaliar o seu trabalho. Diferente dos meus primeiros portfólios, o dele é lindo! Um site profissional com domínio próprio, com uma diagramação interessante e chamativa e uma bela tela de apresentação. Já existe ali uma semente de personal branding onde as cores e fontes utilizadas para o nome e descrição desse profissional todas combinavam entre si. E, principalmente, combinavam com a personalidade desse futuro Diretor de Arte. Quando cliquei no link que mostrava os trabalhos, me deparei com uma coletânea de ótimos layouts que serviriam como boas referências no Behance, porém absolutamente nenhuma ideia sustentando as peças. As boas combinações de cores, fontes e excelente uso da gestalt estavam a serviço de nada. É dessa inversão que falo, onde o quão bonita a peça é se tornou uma preocupação mais importante do que o que eu preciso comunicar com esta peça. E a própria base da publicidade: qual ideia criativa vou utilizar para comunicar esta mensagem. Ao falar esse feedback para o Assistente, me surpreendi quando ele disse já havia escutado essa crítica antes, mas que não sabia direito como resolver esse problema.

No inicio da minha carreira, ouvi de um grande mentor de uma das agências de publicidade onde trabalhei, que "propaganda tem que ser bonita". Isso é uma absoluta verdade. Porém, é apenas a fundação do prédio que chamamos de peça publicitária. Seja num outdoor gigante ou num stories de Instagram na telinha do celular do nosso público-alvo, o terreno estar preparado para erguer a construção é obrigação do construtor e não o seu diferencial.

Qualidade não é diferencial, é obrigação. E no caso da Direção de Arte, isso se resume a beleza de uma peça publicitária, por mais subjetiva que isso seja.

Neste curso sobre Direção de Arte que ministrei, meu aluno é um estudante de design que está perto de se formar. Ele corretamente está buscando aprimorar suas habilidades e demonstrou interesse no curso pois queria saber como a publicidade enxerga os princípios de design que ele vem aprendendo. No curso eu esclareço isso através dessa lâmina:

Aqui está exposto que a Direção de Arte está muito mais preocupada em falar uma mensagem - sem utilizar palavras - enquanto a prioridade do Design é a funcionalidade de um layout. Foi interessante observar como ele se surpreendeu com essa colocação e no final do curso ele me disse que foi o que mais chamou a atenção dele. Um estudante de Design tem esse privilégio de ser surpreendido por esse fato, enquanto que um estudante de Publicidade ao início de sua carreira na Direção de Arte, tem que ter isso tatuado na sua mente e sempre levar como prioridade ao criar um layout. Esse profissional tem que estar atento as tendências de layout e se esforçar ao máximo para que a imagem apresentada seja bonita. E, ao mesmo tempo, dedicar um esforço ainda maior para que essa mesma imagem transmita uma mensagem.

A foto, fontes, cores e diagramação. Enfim, tudo que está colocado naquela peça, tem que ser escravo da mensagem.

Como falo no encerramento do curso:

Na Direção de Arte não existe "eu quis dizer".

Em outras palavras, por mais agradável que seja aos olhos, é dever e missão do layout passar a mensagem de forma clara e precisa.

Caio Perez - Planejamento e Criação de Comunicação Externa e Interna.

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