Não se iludam: é uma guerra

Por Ney Gastal De um lado, os pseudo-desenvolvimentistas furiosos, que enxergam apenas os investimentos imediatos e não ligam a mínima para as conseqüências de …

Por Ney Gastal

De um lado, os pseudo-desenvolvimentistas furiosos, que enxergam apenas os investimentos imediatos e não ligam a mínima para as conseqüências de projetos mega-malucos. De outro, os desenvolvimentistas sensatos, que além de pensar o momento não deixam de imaginar o futuro que desejam para seus filhos, netos e gerações futuras.


Ou, dizendo de maneira mais crua: de um lado, os que só pensam no lucro imediato, de outro, os que desejam garantir os lucros do futuro.


Era uma guerra inevitável, construída ao longo do tempo, em que a preocupação com o meio ambiente foi deixando de ser "coisa de veado" (declaração de Paulinho, da Força Sindical, na festa deste 1º de Maio, revelando seu lado mais obscuro e preconceituoso) e passou a ser exigência legal. Enquanto Paulinho, Lulinha e seus patrões achavam que a preocupação com o meio ambiente não passava mesmo de frescura, sabiam como lidar com passeatas, manifestações e publicações de protesto. Sorriam, fingiam compreender, chamavam a polícia para baixar o pau e pronto; tudo ficava resolvido.


Mas o mingau foi sendo comido pelas bordas e cada vez mais leis de proteção ambiental foram passando aqui e ali, nos municípios, nos estados e na União. De repente - pimba! - o Brasil tinha uma das melhores e mais modernas legislações ambientais do mundo. Cada um se adaptou como pode. As empresas criaram setores dedicados ao meio ambiente e se engajaram em projetos e ações de boa repercussão pública, mas que não atrapalhassem seus próprios projetos. O PT, partido com maior número de jovens e por anos solidamente plantado na oposição aos executivos, ajudou a aprovar um sem-número de leis (corretamente) restritivas. E até os outros partidos, nos legislativos, foram aderindo à preocupação com o meio ambiente.


Então, quando todos menos esperavam, o Brasil, um país de terceiro mundo e subserviente aos grandes interesses como esperam que sejam os países do terceiro mundo, tinha uma legislação de primeiro mundo. Com isto, os "projetos e ações de repercussão pública que não atrapalhavam os interesses das empresas" de repente ficaram insuficientes, e estes interesses começaram a ser atrapalhados. O grau de exigência para implantação de projetos com potencial poluidor ou destrutivo ficou muito maior, deixando de ser um blefe para ser uma garantia. E o PT começou a conquistar cada vez mais prefeituras, governos de estados, e - surpresa! - a Presidência. De repente, toda aquela legislação que era tão certa, tão justa, tão perfeita, porque que não incomodava nos Legislativos, começou a incomodar no Executivo. Está por ser feita uma antologia das manifestações de Lula sobre o assunto, desde os tempos de líder operário até os de presidente da República. Vai ser muito hilária.


Então poder econômico e trabalho deram-se as mãos e, juntos, disseram: basta!


O interesse imediatista do lucro e do trabalho para as multidões desalojadas do campo pelo modelo equivocado viram-se ameaçados. Que negócio é este de conservar, de preservar, de manejar, termos tão estranhos àqueles que se criaram e construíram seu poder na base de expressões diferentes, como destruir, desmantelar, extinguir? O que se vê, agora, são capitães da indústria e líderes de partidos populares perguntando como é que o país passou a ter leis tão rígidas, iguais às dos países desenvolvidos? Como é que poderemos nos desenvolver se estamos tendo a audácia de nos igualar ao primeiro mundo? Como vamos atrair
investimentos se não mais estamos dispostos a prostituir nossos recursos? Como vamos nos entupir de supérfluos se não estamos dispostos a matar nossos rios e matas para construir mais represas?


Não se iludam: o que está em curso é uma guerra.


Uma guerra entre os interesses imediatos e a sobrevivência das futuras gerações. E, o pior, é que nossos generais governamentais não percebem o cenário onde estão travando o combate. O mundo inteiro se preocupa com a perspectiva presente do colapso no abastecimento de água doce, o mundo inteiro se assusta com a perspectiva do aumento no ritmo do aquecimento global, e nossos governantes só pensam nos investimentos imediatos. Não percebem que, mais uma vez, querem nos transformar na lixeira mundial.


Os gaúchos com mais de 40 anos lembram da Borregaard, uma fábrica de celulose que veio se instalar em Guaíba, bem na frente de Porto Alegre, na década de 70. Como, na época, não existia legislação ambiental, a fábrica veio (saudada pelos mesmos de sempre como a salvação do estado), se instalou, e deu no que deu. Brigas, protestos, polêmicas que culminaram em uma ação drástica do então secretário da saúde, Jair Soares, que atravessou o Guaíba e fechou a fábrica. Como resultado final, a Borregaard modernizou a planta ao nível das que tinha em seu país de origem, mas gastando o dobro do que teria gasto se já a tivesse construído assim, a vendeu e foi embora. A Riocell (ou seja o nome que tiver) está lá até hoje, em um lugar evidentemente errado, mas poluindo em níveis mínimos e seguindo padrões de primeiro mundo.


Nossa legislação atual impede que erros assim aconteçam, prevenindo-os. Ninguém é impedido por ela de coisa alguma, desde que observe critérios
mínimos exigidos. E é por exigir a observância destes critérios que hoje em dia os responsáveis pelos órgãos ambientais viraram bonecos de tiro ao alvo, e os funcionários destes órgãos são tratados como inimigos do Estado. Mas que negócio é este? Inimigos por exigirem o cumprimento da lei, ou por serem lentos? Se apenas exigem o cumprimento da lei, não podem ser inimigos, mas, ao contrário, estariam mais perto do designativo de "heróis", termo que foi desmoralizado ao ser atribuído desde a participantes do BBB até a ministros, aliás, coisas muito parecidas.


Lentos? Se os órgãos estão esvaziados, sem gente, sem recursos, sem apoio, com uma demanda crescente e seus quadros sem reposição faz anos, como querem agilidade? No Rio Grande do Sul a Fepam tem cerca de metade do quadro funcional previsto quando foi criada, ou seja, em vez do quadro crescer com a demanda, ele foi reduzido. Como pretender agilidade?


Então o trabalho é lento, mas anda. O licenciamento é cuidadoso, mas justo. Basta observar os números. São poucas as licenças emitidas, em relação ao total represado? São, mas isto é conseqüência da falta de estrutura. Mas são muito menos os indeferimentos. Ano passado, por exemplo, foram 2.516 licenças emitidas, contra 43 indeferimentos. Houvesse má vontade política, como gostam de dizer os detratores do sistema, este número seria muito maior, e o de licenças represadas menor. Mas não, o pessoal faz o que pode, mas sempre observando o que reza a lei.


Na atual "crise" da Sema, motivada pelo Zoneamento Ambiental que tanto desagradou investidores, o que aconteceu foi simples, tão simples que beira ao ridículo ter se transformado em uma crise. A elaboração do trabalho foi determinada pelo governador por solicitação dos interessados. Nem houve muito atraso, mas os investidores interessados adquiriram áreas ANTES da conclusão do zoneamento, e muitas das áreas que adquiriram estão fora das áreas autorizadas para seus empreendimentos.


De quem é a culpa? Você compra um terreno baldio para construir uma casa sem antes saber se aquele espaço pode receber uma construção? É o que fazem os invasores de nossas praças. As grandes empresas envolvidas nesta meleca toda são grandes o suficiente para não invadir áreas proibidas, mas não tiveram a
grandeza de esperar a conclusão do zoneamento para, só depois, comprar áreas. Então, agora esperam das autoridades um canetaço que mude o que os estudos científicos detalhados delimitaram. Afinal, não foi sempre assim que agiram no terceiro mundo?


Todos vocês sabem de minhas restrições ao nome da bióloga Vera Callegaro para o cargo de Secretária Estadual do Meio Ambiente. Sobre estas restrições, nunca pessoais nem de qualificação científica, já escrevi que chegue. Acho que ela não tem o perfil para Secretária, o que de resto já foi corroborado em diversas de suas atrapalhadas manifestações públicas. Mas agora Vera está caindo, não por estes motivos, mas porque não quis ou não pôde dar o canetaço que as empresas e a governadora exigiram. Como no caso de Langone no governo federal, Vera caiu por não ter feito o que não devia nem podia fazer.


Isto não é o fim da picada? O que pretendemos para o futuro, se além de destruirmos a natureza e as possibilidades econômicas, agora, nossos governantes passam também a destruir a dignidade de quem nada mais faz do que cumprir a lei. Lembram de Shakespeare, sempre ele? Lembram de Hamlet? Ele dizia haver algo de podre no reino da Dinamarca. Infelizmente, este fedor hoje está impregnado muito mais para cá, nos corredores palacianos deste nosso triste país tropical, que Deus não mais abençoa.

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