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Por Márcia Fernanda Peçanha Martins* Por muito tempo achei que a ausência é falta. E lastimava, ignorante, a falta. Hoje, não a lastimo. Não …

Por Márcia Fernanda Peçanha Martins*
Por muito tempo achei que a ausência é falta. E lastimava, ignorante, a falta. Hoje, não a lastimo. Não há falta na ausência. A ausência é um estar em mim. E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços, que rio e danço e invento exclamações alegres, porque a ausência assimilada, ninguém a rouba mais de mim. Pego emprestado o poema de Carlos Drummond de Andrade para justificar que não tenho muitos sorrisos, não ofereço tantas divagações neste artigo e trago uma dor dilacerante, que aumenta a cada dia em vez de me abandonar. Ela tem sido compartilhada nos últimos dois anos pelos familiares: mãe, irmão, cunhada e amiga, irmã e cunhado, sobrinhos e filha.
É que me habituei, desde 12 de maio de 2003, a embalar a tua ausência dentro de mim e acomodei minha saudade num lado bem escondido do coração, onde nós dois nos encontramos vez em quando. Dedé, Dédi, Luli ou simplesmente mano, como tenho me enganado desde a tua morte. Isso tem desculpa? Perdão, mano. Sei que não aprovarias jamais essa minha atitude de sofrimento. Sei que tentas me alertar para levantar a cabeça e tocar o barco, nas vezes em que sinto deixar escapar a bússola da minha vida. Sei que continuas sendo, como em vida, o meu grande anjo da guarda.
Ao analisar o poema de Drummond, consegui decifrar um pouco o meu comportamento nestes anos em que imaginava, erroneamente, sentir a tua falta. Novo engano, mostrou o poeta. A tua ausência está sempre em mim. Quando tento definir o que sinto toda vez que preciso enlouquecidamente do teu afago, da cumplicidade de teus olhos claros, das tuas palavras de amizade, mesmo quando elas precisavam ser cruéis e eu não queria escutá-las e, principalmente, quando solicito a tua presença, sempre, eterno irmão e companheiro ao meu lado.
Mas a tua ausência assimilada ainda dói muito. Nos domingos, quando estava se tornando um costume levar a afilhada Gabriela para brincar no parque ou na hora do almoço na "Casa das Três Mulheres". Depois da novela das 20h30min, quando telefonava para a mãe e contava para ela como tinha sido o dia, com tanto entusiasmo e riqueza de detalhes que ela, acostumada aos teus relatos, deixava escapar o brilho nos olhos de felicidade. Ou quando pedia um prato especial e a nossa mãe se esmerava na cozinha para te satisfazer. Ou quando te desmanchava em carinho com os sobrinhos Rafa e Mila.
Mano, a ausência dos teus risos soltos, das piadas hilariantes, das brincadeiras com os sobrinhos e do olhar que sorria sempre, é que me impulsiona e me empurra para o futuro, mesmo diante das adversidades. Eu sigo embalando essa ausência como te embalava, às vezes, quando tu era pequeno e a nossa mãe não dava conta de dois filhos pequenos. Eu sigo lembrando a Gabriela que ela teve o melhor dindo do mundo, no tempo em que lhe foi permitido. Existem seres superiores, que nascem para marcar a nossa trajetória de vida e depois viram estrelas luminosas no céu.
Hoje, meu caro amigo, irmão e companheiro, não vou deixar tanto a tristeza me habitar. Aproveito para te mandar notícias. Já que nossos e-mails estão desconectados. Aqui na terra, ainda estão jogando futebol, tem muito samba, muito choro e rock. Uns dias chove, noutros dias bate sol. Mas a coisa tá andando. Muita careta prá engolir cada sapo no caminho, e a gente vai se amando que sem um carinho não se segura esse rojão. Serei breve. Alguns amigos teus seguem nos procurando. Tento manter-me informada das notícias da Paim, agência em que trabalhavas. O Rafa segue naquela meiguice. A Mila tá estudando para o vestibular. E a Gabriela, nem é bom falar. Mais linda, inteligente e carinhosa e minha companheira.
* Márcia Fernanda Peçanha Martins, formada pela PUCRS, trabalhou no Jornal do Comércio, Zero Hora, assessoria de comunicação e agora está no Correio do Povo.
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