O Catavento

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Por J.A.Moraes de Oliveira

Nos primeiros verões que passávamos na fazenda de meus avós, não existia nem água corrente nem eletricidade. Um motivo para permanentes lamentações por parte da mãe, mas uma divertida novidade para mim e minha irmã. Gostávamos dos banhos em uma grande bacia de zinco e, principalmente, do ritual noturno dos lampiões e candieiros a querosene.


Naquele verão quente e de tempestades noturnas foi a última vez em que tivemos estes pequenos prazeres, pois meu avô Patrício anunciou que havia encomendado um catavento para iluminar a casa da fazenda. O catavento vinha de navio dos Estados Unidos e ainda levaria meses para chegar. E haveria muito trabalho pela frente - construir uma torre para o catavento, instalar a rede elétrica e comprar uma bomba e canos para trazer água da cacimba até a casa.


Quando chegou a carta confirmando o embarque do catavento, meu avô proclamou em voz alta que em breve a fazenda teria água corrente, luz elétrica e - olhando marotamente para mim - completou: e um rádio de ondas curtas!


Aquele ano transcorreu lentamente. A rotina dos dias no ginásio me impacientava e parecia que dezembro nunca chegaria. Mas quando começaram os dias ventosos de primavera e minha mãe tratou de guardar as roupas de inverno, senti que o verão não tardaria e, com ele, a longa viagem de navio.



Quando a charrete que nos fora buscar no porto atravessou a porteira da fazenda, minha irmã gritou - "olha lá a torre do catavento!".


E lá estava ela, erguendo-se sobre os telhados, quase tão alta quando os eucaliptos plantados pelo Tio César. Mal chegamos, corri até a torre de madeira, mas não havia nenhum catavento girando lá em cima.


Meu avô foi nos receber com um sorriso: "Estamos esperando um engenheiro para instalar o catavento e fazer as ligações" disse, olhando a torre e parecendo tão desiludido quanto eu.


Dois dias depois, um caminhãozinho Ford buzinou na porteira e eu corri para a frente da casa. O engenheiro de Porto Alegre desembarcou, cumprimentou meu avô e os seus homens desembarcaram grandes caixas de madeira marcadas "Windcharger" e "Made in USA".


O progresso havia chegado na fazenda do Passo Grande.


Nos dias seguintes, esqueci meus passeios a cavalo e as casas de marimbondos, nas quais eu e minha irmã atirávamos pedras, antes de correr desabaladamente pelo campo. Escolhera passar o tempo todo olhando o trabalho dos homens que montavam o catavento. Primeiro as grandes pás foram espalhadas pelo chão e aparafusadas uma a uma em um cilindro de aço negro. Logo, o conjunto foi penosamente içado até a plataforma e fios lançados da torre até o telhado da casa. Aos poucos, as lâmpadas foram instaladas e, a seguir, a bomba de água.


Enquanto isso, uma caixa de madeira marcada "RCA Victor" permanecia fechada em um canto da sala, aguçando minha curiosidade. Mas não seria naquela noite que as novas lâmpadas brilhariam, pois uma tempestade de verão obrigou os homens a se abrigarem no galpão das carroças. Eu olhava o céu carregado, esperando a tempestade passar. Mas logo os homens desistiram, embarcando no caminhãozinho Ford e gritando do estribo que voltariam assim que o tempo melhorasse.


Choveu nos dois dias seguintes, e nós aproveitávamos os últimos banhos na bacia de zinco e carregávamos o lampião para o quarto, olhando as lâmpadas inertes pendentes nos caibros do telhado. O terceiro dia amanheceu ensolarado e fui esperar o caminhãozinho buzinar na porteira. Mas era a hora do café-com-leite e broa de milho, que naquela manhã parecia não ter nenhum sabor. Corri para encontrar meu avô ao pé da torre e vi que os homens já estavam trabalhando no alto da plataforma. Naquela tarde, tudo estava pronto para o catavento funcionar. Meu avô e o engenheiro olhavam o céu esperando alguma coisa, que eu não imaginava o que fosse. Um de meus tios, que havia ajudado a construir a torre, veio em meu socorro - "estamos esperando a hora do vento sudoeste".


Também olhei para o céu, mas não havia nada, a não ser as nuvens, que ficavam douradas à medida que o sol baixava ao longe. Começou então a soprar uma brisa, que agitou o vestido das mulheres e levantou um redemoinho na poeira do terreiro. Não demorou muito, alguém apontou para o alto dos eucaliptos, que se agitavam com o vento que chegava.


O engenheiro então soltou uma trava e o catavento girou lentamente e, logo com velocidade, as pás assoviavam contra o vento sudoeste. E, de repente, por toda a casa, as lâmpadas piscaram e brilharam sua luz amarela. Gritos de surpresa se ouviram - a mãe e as tias saudavam alegremente a chegada da grande novidade.


Meu avô permanecia ao pé da torre, a barba ao vento, olhando hipnotizado o catavento assoviar. A avó Ana Augusta chegou calmamente da cozinha, limpando as mãos em um pano branco, olhou tudo ao redor, emitiu um leve muxoxo de aprovação e voltou para o panelão de doce de goiaba que estava no fogo.


Naquela noite o jantar foi servido mais cedo, todos queriam ver o rádio de ondas curtas ser ligado pela primeira vez. A sala logo se encheu - meus tios apagaram os cigarros de palha e os peões colocaram os chapéus no chão. Eu estava perto de meu avô, junto à mãe e minha irmã. A avó costurava em um canto, olhando uma vez ou outra com uma mistura de surpresa e dúvida para a lâmpada elétrica a seu lado.


O meu olhar ansioso não largava o avô, que mexia nos botões e consultava cuidadosamente o livro de instruções. Subitamente, um som agudo de estática invadiu a sala, fazendo minha irmã tapar os ouvidos, os cachorros uivarem angustiados e minha avó interromper sua costura. Mais alguns minutos e a estática foi substituida pelo som do Hino Nacional - o rádio sintonizara uma emissora do Rio de Janeiro e estava começando a Hora do Brasil.



Os olhos do avô brilhavam e ele anunciou com uma voz rouca - "este é o único rádio de ondas curtas desde Camaquã até os Tapes". Os peões se entreolhavam, antecipando a novidade que levariam no dia seguinte aos vizinhos e compadres das casas próximas. As mulheres perderam logo o interesse por aquela novidade barulhenta e foram todas para a cozinha encher os potes com doce de goiaba. Meu avô girou novamente o dial e uma voz em espanhol anunciou a Rádio Belgrano de Buenos Aires e o som de um velho tango invadiu a sala. Um novo rebuliço entre meus tios, que reconheceram a voz de Carlos Gardel e logo se desafiavam para adivinhar o nome de cada novo tango.


Infelizmente, o serão durou pouco, pois as baterias ainda não estavam carregadas e logo as lâmpadas começaram a piscar e o rádio a falhar. O avô desligou o rádio e todos se dispersaram em direção aos quartos e galpões, enquando minha mãe anunciava que era hora das crianças irem para a cama. Aos poucos a casa e os cães silenciaram. Ouvi meus avós atravessar a sala em direção ao quarto da frente. Lá fora, acima do telhado, as pás do catavento assoviavam. Na cama, eu olhava a lâmpada do quarto diminuir aos poucos sua luz amarelada até apagar de vez.


Antes de adormecer, pensei em meu pai ouvindo Carlos Gardel no rádio da nossa casa em Porto Alegre.

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