O CFJ, a ética e a polêmica

Por Renato Gianuca Enquanto se encerrava em São Petersburgo, Rússia, na segunda-feira (17/7), mais uma reunião de cúpula do G-8 e dos quatro maiores …

Por Renato Gianuca

Enquanto se encerrava em São Petersburgo, Rússia, na segunda-feira (17/7), mais uma reunião de cúpula do G-8 e dos quatro maiores países emergentes - entre eles, o Brasil -, com uma pauta alterada de última hora devido à grave crise política e militar no Oriente Médio, pode parecer até bizantino, nesta hora de incertezas globais, retomar um debate que se estende já há duas décadas na mídia brasileira. Trata-se da polêmica em torno da criação do Conselho Federal dos Jornalistas (CFJ).


De qualquer forma, o debate está de volta após a realização, em Ouro Preto, do 32º Congresso Nacional da categoria, promovido pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), nos dias 5 a 8 de julho. A Carta de Ouro Preto, firmada no encerramento do evento, sintetiza em seu título as aspirações da categoria: "Por ideais ousados e democráticos, ainda que tardios".


Na sua abertura, o documento aprovado pelos cerca de 800 participantes do congresso diz:


"Nós, jornalistas brasileiros, queremos informar e denunciar ao Brasil um novo estado de coisas. Informar nosso pensamento coletivo a respeito dos desafios profissionais a serem enfrentados com determinação, nos próximos anos. Principalmente em relação às precárias relações de trabalho e ao achatamento salarial - impostos à categoria pelas principais empresas de comunicação. E denunciar as ameaças que pairam sobre a consolidação da democracia brasileira. E que impedem a inserção autônoma do Brasil no cenário mundial."


Profeticamente, essas ameaças à democracia de que fala a Carta de Ouro Preto foram as manchetes nacional e internacional da semana, após os sucessivos e violentos ataques do crime organizado em São Paulo. E quanto à inserção autônoma do nosso país no cenário mundial, foi importante sem dúvida a participação do presidente da República e da delegação brasileira na reunião ampliada do G-8. Até mesmo para poder sentir, de perto, as divergências dos principais líderes mundiais a respeito da nova guerra entre Israel e seus vizinhos árabes.


Desvios éticos


O 32º Congresso Nacional dos Jornalistas marcou também o 60º ano de fundação da Fenaj. E foi o primeiro evento deste tipo a ser realizado no estado de Minas Gerais. Estavam presentes delegados dos 26 estados brasileiros e do Distrito Federal, que levaram à discussão mais de 40 teses. E não houve divergências insuperáveis. Houve, sim, muito debate e muita polêmica sobre os temas, divididos em seis eixos principais: mercado de trabalho; liberdade de imprensa; democratização da comunicação; formação profissional; atualização do Código de Ética da categoria; e a reformulação da proposta do Conselho Federal dos Jornalistas (CFJ).


A proposta de criação do CFJ mereceu amplo debate e exame, nas plenárias, a partir das quatro teses publicadas no caderno do Congresso: "Liberdade e ética no exercício profissional" (da diretoria da Fenaj); "Conselho Federal dos Jornalistas" (do Sindicato os Jornalistas no Estado de Sergipe); "Contribuições do Congresso Estadual dos Jornalistas de Minas Gerais" e "Para Além do CFJ" (do Movimento Sindicato é Pra Lutar, dos jornalistas de São Paulo, que são oposição neste momento à diretoria recém-eleita do sindicato paulista).


Dizem as teses aprovadas pelo plenário:


"Apesar de ser uma profissão regulamentada, os jornalistas ainda não conquistaram o direito de se organizar e de criar o seu próprio órgão de normatização e fiscalização do exercício profissional. É esse direito que a categoria, por meio da Fenaj e dos Sindicatos de Jornalistas de todo País, reivindicam ao propor a criação do Conselho Federal dos Jornalistas. A ausência de um Conselho é uma lacuna que precisa ser preenchida. Essa lacuna permite uma distorção na legislação brasileira, que é a concessão dos registros profissionais de jornalistas pelo Ministério do Trabalho. Como tem o controle sobre os registros dos jornalistas, também cabe ao Ministério do Trabalho - através das DRTs - a fiscalização do exercício irregular da profissão".


Como se vê, a idéia parece lógica, coerente e aceitável à grande maioria da categoria. Mais adiante, as teses aprovadas dizem expressamente:


"O CFJ será órgão autônomo a serviço da categoria e da sociedade. Seu propósito não é - nem poderia ser - o de impor limites, entraves, controles sobre o exercício da liberdade de expressão ou de imprensa. Seu propósito é a defesa da profissão e do profissional jornalista, como agente público capacitado para a produção de informação qualificada, democrática e ética".


Sobre esse último tópico, um acréscimo das teses:


"Grande parte dos desvios éticos da profissão, como não ouvir o contraditório, não está relacionada à conduta ou vontade do jornalista, mas sim a decisões empresariais".


Melhor e mais democrático


Pois esta última parte da questão chegou, ligeirinho, via Jornal Nacional da TV Globo, na noite de sábado (15/7): uma matéria longa e absolutamente parcial re-encetava uma cruzada da grande mídia corporativa. Depois de editoriais e matérias críticas no Estado de S.Paulo e outros jornalões, chegava a vez de a Rede Globo se posicionar. E desta vez contra o novo projeto que regulamenta a profissão de jornalista. Sem ouvir a outra parte, o tal contraditório, sucederam-se depoimentos de jornalistas como o atual presidente da Associação Brasileira de Imprensa, a vetusta ABI, e do articulista do jornal O Globo, Luiz Garcia, mais um representante da Associação Nacional de Jornais (ANJ, o órgão patronal). Todos contrários ao projeto, recém-aprovado pelas duas casas do Congresso Nacional. O apelo da matéria era endereçado ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva: ele está sendo convocado pela grande mídia a vetar o projeto.


As coisas todas acabam se relacionando: lá de São Petersburgo, enquanto providencia transporte aéreo para os brasileiros em fuga dos ataques indiscriminados que ensangüentam o Líbano, certamente o presidente brasileiro não terá tido, ainda, oportunidade de encarar esta questão, aparentemente menor. Mas que de fato diz respeito às várias preocupações dos jornalistas e dos que desejam um jornalismo melhor e mais democrático, livre de injunções quase sempre antiéticas.


Olhar para os céus


O jornalista Luiz Antonio Magalhães, na edição nº 389 deste Observatório, fala do "CFJ ressuscitado". Em seu curto artigo, dispara alguns petardos contra a pretensão liderada pela Fenaj. Diz Magalhães, no fecho:


"O grande problema da Fenaj é justamente a coerência de seus dirigentes. Como eles são os mesmos e não mudaram de idéia, vão continuar defendendo propostas corporativistas, autoritárias ou antiquadas. Ou a soma das três, como ocorre no caso do CFJ".


Esse artigo de Magalhães recebeu mais de dez comentários dos leitores do OI, uns favoráveis, mas a maioria contrária ao pensamento do autor. Alguns rápidos exemplos desses comentários:


1) "Quero sociólogos dando sua opinião sobre a sociedade. E esportistas ou ex-esportistas dando a sua opinião sobre esportes"; 2) "Deve-se evitar ?demonizar? o projeto do CFJ, pois isso reflete os interesses dos donos da mídia"; 3) "Este mecanismo de avaliação ética me parece censura pura"; 4) "Esta ladainha de censura é ridícula. Afinal, maior censura é não termos o direito de discutir que tipo de jornalismo estamos fazendo, e para quem"; 5) "Defender a criação do CFJ é lutar pela liberdade e pelo direito de zelar pelo exercício ético da profissão"; 6) "Nós, jornalistas, não devemos temer qualquer espécie de macartismo"; e 7) "São apenas sentimentos equivocados de ?ameaça? à liberdade de imprensa. Que muitas vezes, no quotidiano, é confundida com liberdade de empresa".


Então, o debate e a polêmica estão aí, dentro da categoria e fora dela, na sociedade. O Conselho será discutido, agora, em todos os níveis: desde a base, nas redações, até entidades como a própria ABI, ou a CNBB e outras igrejas, a OAB e outros conselhos federais de profissões há décadas regularizadas. Na verdade, deve ficar bem claro que o novo projeto de regulamentação da categoria mantém a figura do colaborador, ou especialista. Assim, os que apreciam os comentários de jogadores ou ex-jogadores sobre futebol podem ficar tranqüilos. E comentários sobre sociologia, exobiologia ou física quântica, por exemplo, também vão continuar com esses colaboradores ou especialistas.


Na assembléia plenária final do congresso de Ouro Preto, já na noite de sábado, em meio à votação das últimas teses e das moções retardatárias, passava perto deste repórter uma jovem colega. Na sua camiseta, bordada, uma inscrição: "Jornalismo te dá asas". Creio que essa frase singela expressa bem o espírito básico de nossa profissão: lutar sempre na base, sem deixar de olhar para os céus - isto é: para horizontes maiores e mais amplos. Aquela frase na camiseta pode e deve servir como motivo de permanente inspiração para todos nós.

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