O Cine Apolo

Por J.A.Moraes de Oliveira Mais parecia um hangar, de tão grande e barulhento. Mas o Cinema Apolo era um dos preferidos da minha turma …

Por J.A.Moraes de Oliveira

Mais parecia um hangar, de tão grande e barulhento. Mas o Cinema Apolo era um dos preferidos da minha turma e pertencia à mesma geração do Cine Orpheu e do Coliseu, que ficavam muito longe. O Apolo ficava bem ali, no início da Avenida Independência, na altura da curva da Santa Casa.


Nas tardes de domingo, o bonde Prado nos conduzia até lá - era o início de uma viagem ao mundo de aventura dos heróis que amávamos.


Naqueles tempos antes da televisão, o fascínio da grande tela iluminada enchia os cinemas de Porto Alegre com famílias de classe média buscando diversão e a fuga semanal do duro cotidiano. Nos cinemas de bairro, a sessão "soirée" (das oito da noite) era a "hora mágica", quando todos se deliciavam com os grandes astros de Hollywood: Bette Davies, Gary Grant, Tyrone Power, Robert Taylor, Heddy Lamar. Vez ou outra, uma novidade - um sucesso mexicano com a deslumbrante Maria Félix, fazendo brilhar os olhos de nossos pais, ou um novo filme argentino com Libertad Lamarque, com seus tangos sofridos, arrancando suspiros de nossas mães.


Mas nada superava as tardes de sábado e de domingo, com os programas duplos precedidos pelos seriados em episódios. E o Apolo era incomparável, com filmes de aventuras em "primeira mão" e, a cada semana, os esperados episódios, pequenas porções de 10 a 15 minutos com as peripécias em preto-e-branco dos heróis dos estúdios da RKO, Republic e Paramount.


As cadeiras eram de madeira e, quando o operador trocava o rolo do filme ou errava o foco, a gurizada batia com os assentos provocando um barulho ensurdecedor. E o foco, milagrosamente, voltava ao normal em segundos.


Foi naquelas duras cadeiras de madeira que a minha geração viu animar-se na tela os inesquecíveis heróis das historietas em quadrinhos: Flash Gordon, Jim das Selvas, Tarzan, Super-Homem, Hopalong Cassidy, e Batman, o Homem-Morcego.


Depois, a cada dois meses, o Apolo exibia os seriados completos, que duravam a tarde inteira. Eram a seqüência dos pequenos episódios, muitas vezes não-editados, repetindo duas vezes a cena da mocinha amarrada nos trilhos do trem, esperando pelo valente herói que viria salvá-la no último minuto. E quando surgia o casto beijo na cena final, a platéia berrava a uma só voz o refrão: "Gooooool!" Então, com os olhos vermelhos e cansados, subiamos a Independência, sentindo-nos como heróis capazes das maiores proezas e, secretamente odiando o Imperador Ming, o perverso Doutor Silvana e também o nosso professor de Matemática.


Poucos anos antes de fechar as portas, o Apolo ainda apresentaria longas e saborosas sessões com as comédias curtas de Buster Keaton e Charles Chaplin. Mas os tempos do seriado completo já haviam passado e as nossas fantasias agora se voltavam para os modernos cinemas do centro da cidade.


Nos novos cinemas os ingressos eram mais caros, mas havia a expectativa de um novo filme a cada segunda-feira. Estávamos enfim livres das repetidas reprises dos velhos filmes, que éramos obrigados a assistir no programa duplo. Descendo a Rua da Praia, ficavam os cinemas mais luxuosos, com poltronas estofadas e porteiros uniformizados. Depois da José Montaury, havia o Roxy, depois o Rex e o Central no Largo dos Medeiros, seguindo-se o Imperial e o Guarany, já na Praça da Alfândega.


Na subida da Borges, o Vera Cruz e lá adiante, na descida, o Marabá. O Carlos Gomes, em frente à igreja do Rosário, e o Capitólio, eram imbatíveis em programas duplos - dois filmes pelo preço de um. Nenhum deles prestava, mas era um programa e tanto - quatro ou cinco horas de filmes classe B, em cadeiras estofadas de plástico, incômodas e rangedeiras. A higiene também não era grande coisa e logo vieram os apelidos - o Garibaldi virou "Garipulga", e o Baltimore, "Baltirrato".


Já o Cine Central era dedicado a filmes mexicanos e franceses, muitas vezes com a irresistível tarja nos cartazes: "Proibido até 18 anos". Certa vez enganei o porteiro e assisti um filme "Impróprio até 14 anos". Minha façanha não rendeu muito - os amigos mais velhos caçoaram - "isto não vale nada, o bom mesmo são os proibidos até 18".


Mais tarde, nos anos 50 e 60, o Colombo, na Avenida Cristóvão Colombo, e o Avenida, na João Pessoa, marcaram época com os inesquecíveis musicais da Metro-Goldwyn-Mayer. Gene Kelly, Fred Astaire e Cid Charisse passaram a povoar nossos sonhos e fantasias. Logo chegou o Ritz, no fim-da-linha dos bondes Petrópolis, e, finalmente, o luxuoso Cacique, em frente ao Correio do Povo. Os filmes agora eram em Technicolor, em tela grande com o som estereofônico encantando nossos ouvidos com famosas orquestras vestidas de branco.


Mas os tempos mágicos na sala escura já haviam terminado para sempre. Nunca mais as memoráveis matinês no Imperial, com os meninos na primeira fila olhando as meninas que chegavam, enquanto enroscavam no dedo a corrente do chaveiro. E ficaram cada vez mais distantes as cadeiras de madeira do Apolo e os foguetes interplanetários do Dr. Zarcov, Dale e Flash Gordon. 

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