O cochilo dos coronéis

Por Venício A. de Lima Tudo começou em 5 de julho de 2006, com um Requerimento (REQ) dirigido ao presidente do Senado, assinado pelos …

Por Venício A. de Lima

Tudo começou em 5 de julho de 2006, com um Requerimento (REQ) dirigido ao presidente do Senado, assinado pelos senadores Eduardo Suplicy (PT-SP) e Tião Viana (PT-AC) (cf. REQ nº 782 de 2006, Diário do Senado Federal de 6/7/2006; pág. 22841). Tendo em vista o procedimento rotineiro de votação simbólica na apreciação dos Decretos Legislativos referentes a outorga e/ou renovação dos serviços de radiodifusão, os senadores solicitavam "a título de definição normativa (?) para o fim de exata instrução de matérias atinentes, a teleologia do disposto no art. 54, inciso II, letra a , da Constituição Federal, nos casos de concessões (de radiodifusão)".


O texto constitucional tem sido permissivamente interpretado como impedindo deputados e senadores apenas de serem gestores nas empresas concessionárias dos serviços de rádio e televisão, embora reze o seguinte:


Artigo 54. Os Deputados e Senadores não poderão:


(?)


II - desde a posse


a) ser proprietários, controladores ou diretores de empresa que goze de favor decorrente de contrato com pessoas jurídicas de direito público, ou nela exercer função remunerada.


Na justificativa ao requerimento, os senadores se apoiavam em matérias publicadas no Estado de S.Paulo (de 2/7/06) e na Folha de S.Paulo (3/7/06) [ver abaixo a íntegra das matérias].


A primeira matéria tratava de representação que o Projor, entidade mantenedora deste Observatório da Imprensa, ofereceu à Procuradoria Geral da República em outubro de 2005 sobre parlamentares que não só eram proprietários de emissoras de rádio e televisão, mas votavam na renovação de suas próprias concessões. A segunda relatava ato inédito da Presidência da República que solicitou ao Congresso a devolução de 225 processos de renovação de concessões de rádio e televisão, ameaçados de rejeição pela Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados.


A longa tramitação do requerimento


Encaminhado à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), o requerimento 782/06 não foi distribuído para relatoria até o final da 52ª Legislatura. De volta à CCJ na 53ª. Legislatura, ele só foi distribuído ao relator quase dezessete meses depois, em 28 de novembro de 2007.


Apesar de entregue vinte dias depois, o relatório alcançou a pauta para votação apenas na 5ª Reunião Ordinária da CCJ em 2009, iniciada no dia 1º e concluída na terça-feira, dia 7/4/09. O requerimento em questão, portanto, precisou de mais de dois anos e nove meses para ser votado na CCJ.


O relatório do senador Pedro Simon (PMDB-RS), aprovado quando a sessão da CCJ - aliás, presidida por um senador do DEM, partido que tradicionalmente abriga parlamentares concessionários de rádio e televisão - já se encontrava esvaziada, conclui que:


"a) não é lícito aos Deputados e Senadores figurarem como diretores, proprietários ou controladores de empresas que explorem serviços de radiodifusão; e


b) caso verificada essa condição, o respectivo ato de outorga ou renovação deverá ser rejeitado."


A reação dos coronéis


Quando os muitos interessados tomaram conhecimento da aprovação do relatório do senador Pedro Simon, além da perplexidade, reagiram imediatamente. Nota sob o título "A bancada da causa própria", publicada na coluna "Panorama Político", de Ilimar Franco, em O Globo de quinta-feira (9/4), descreve:


"O senador ACM Júnior (DEM-BA) deu um ataque ontem com o presidente da CCJ, senador Demóstenes Torres (DEM-GO), devido à aprovação, na sua ausência, de parecer dizendo que `não é lícito´ parlamentares serem diretores ou controladores de empresas de rádio e televisão. `Como você coloca um projeto desse em votação? Você disse na reunião de líderes que não colocaria nada polêmico´, cobrou ACM Júnior. Irritado, arrematou: `Ele contraria interesses meus, do Tasso [Jereissati], do [José] Sarney, do [José] Agripino e do Wellington Salgado, que é vice-presidente dessa comissão´."


O que há de novo?


Quem acompanha a política brasileira sabe que não há nada de novo na utilização das concessões de rádio e televisão como objeto de barganha e conhece a utilização desse serviço público no interesse privado e na manutenção do status quo eleitoral. O que há de novo é a explicitação desses interesses pelo legítimo herdeiro de um dos ícones do coronelismo eletrônico brasileiro, o ex-senador Antonio Carlos Magalhães (ver "Desaparece um símbolo do coronelismo eletrônico" http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=443MEM001).


O senador ACM Júnior, no entanto, citou apenas alguns dos senadores que tiveram seus interesses pessoais contrariados com a decisão da CCJ. O projeto "Donos da Mídia" informa que pelo menos 20 - ou 24,7 % - dos atuais senadores são sócios ou diretores de empresas concessionárias de rádio e televisão (ver aqui).


Levantamento sobre os membros das Comissões Temáticas na Câmara dos Deputados (CCTCI) e no Senado Federal (CCT), realizado pelo LapCom-UnB e recentemente divulgado pelo Observatório do Direito à Comunicação (ver "Radiodifusores dominam comissões"), mostra que, na atual legislatura, pelo menos oito dos dezessete membros titulares da Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática do Senado controlam direta ou indiretamente emissoras de rádio ou televisão. Dos membros suplentes, pelo menos seis desfrutam a mesma condição. Vale dizer, por exemplo, que numa votação, pelo menos 47% dos votos estarão vinculados aos interesses de radiodifusores privados [ver relação nominal abaixo].


Apenas um cochilo


O parecer aprovado na CCJ irá ainda a votação no plenário do Senado Federal. Não tem a mínima chance de ser aprovado. De qualquer maneira, o cochilo dos coronéis serviu para mostrar, uma vez mais, o absurdo da situação normativa em que vivemos: deputados e senadores, desde a Constituição de 1988, são, ao mesmo tempo, poder concedente e concessionários de um serviço público, a radiodifusão.


*O artigo foi publicado originalmente no site www.observatoriodaimprensa.com.br

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