O colorido da democracia

Por Márcia Fernanda Peçanha Martins* Mais uma vez me aproprio do texto que brilhou na reportagem do Caco Barcelos, publicada na extinta Folha da …

Por Márcia Fernanda Peçanha Martins*
Mais uma vez me aproprio do texto que brilhou na reportagem do Caco Barcelos, publicada na extinta Folha da Manhã, de um louco anônimo que pedia desculpas pelo fato de haver ficado um tempo sem escrever e digo: "Estive doente, estive em repouso, não pude escrever". Isso para explicar que por motivos que nada acrescentariam ao artigo, estive hospitalizada uns sete dias para curar males da saúde e da mente. Mas foi justamente na semana que antecedia o dia 3 de outubro, data das eleições municipais em todo o País, que necessitei ser internada. Confesso que fiquei mais doente por perder toda a polêmica política que se instaura nesse período.
Comportamento de criança depois que foi pega pelos pais fazendo a maior arte, acertei com a doutora que seria uma paciente exemplar, cumpriria tudo que fosse mandado, não implicaria com aquele monte de soro me picando as veias nem com a dieta rígida. Com uma certa condição. Todo o tratamento seria acelerado para que eu pudesse estar na rua no dia 3 e cumprir meu compromisso cívico de votar. Porque eu gosto da função toda, de ver as ruas enfeitadas (certo, o termo adequado seria sujas) de propaganda eleitoral, gosto de assistir os debates e falar com os candidatos como se eles me ouvissem, de ver os carros nos dias que antecedem ao pleito cheio de adesivos e bandeiras de todos os partidos.
Acordo feito, fiquei complemente feliz ao receber alta hospitalar no dia 1º de outubro, final de tarde. Ufa, não iria perder de ver a minha cidade que eu gosto tanto exercer o ato do voto nem o maravilhoso e estimulante colorido da democracia, que é justamente a disputa de idéias, nomes e partidos em busca de uma melhor condição de vida em sociedade. Recomendação expressa da doutora: "Saia de casa apenas para votar, o seu repouso continua domiciliar". Na hora, pensei que resistiria e que isso seria o de menos.
Na sexta-feira da alta, 1º de outubro, ao chegar em casa no finalzinho da tarde, aproveitei para matar as saudades da minha filha e nem me liguei muito em política. Cansada e medicada, fui dormir cedo e sonhei com a cidade toda enfeitada de democracia, cores e mais cores, gente saindo para votar empunhando bandeira, propaganda de boca de urna, santinhos sujando as ruas de democracia e coisa e tal.
Mas, até o final da tarde de sábado, mantive-se fiel ao acerto com a doutora. Entretanto, com a desculpa de levar minha irmã em casa e comprar algumas coisinhas que casualmente esqueci de pedir no super, peguei meu carrinho ainda amassado pelo caminhão do túnel (lembram?) e fui passear pela cidade. Porto Alegre parecia travestida de democracia, muitas bandeiras, carros adesivados, um nó de propaganda eleitoral em cada metro quadrado de canteiro disponível nas esquinas da minha cidade e muito buzinaço.
E, como convém em toda a democracia, desde que a mesma foi inventada na Grécia, militantes de vários partidos, jovens desfilando com bandeiras, bares lotados e uma civilidade que me emocionou. Afinal, vivia-se ali em Porto Alegre, um dia antes da eleição, uma pré-estréia da democracia da forma mais pacífica do mundo. Era a mocinha grávida que levava um adesivo na camiseta estourando a barriga que carregava um feto para nascer a qualquer momento. O senhor barbudo, com seus 60 anos, discursando no bar que político é tudo igual e que se o voto não fosse obrigatório não votava. Um rapaz de 16 anos, cabelos compridos, olhos verdes de esperança, argumentava com o senhor barbudo que era preciso votar sim, participar, ter idéias e depois, fiscalizar o trabalho do eleito. A senhora com mais de 70 que ao deparar-se com uma jovem de uns 30 anos, empunhando bandeira no ombro, disse-lhe: "Eu não sou obrigada mais a votar, mas acho esse momento tão importante".
Cheguei em casa embriagada de sons e cores de democracia e ainda um pouco tonta. Mas estava feliz. Ou melhor, recompensada. É claro que sei que a cidade fica suja, que nem todos os políticos são honestos, que os partidos fazem acordos inacreditáveis no segundo turno. Só que isso é outro assunto. A democracia continua depois das eleições, é bem mais do que simplesmente acertar as teclas na urna eletrônica, e depende de cada um de nós em cumprir o seu papel fiscalizador, a fim de ajudar a construir uma sociedade fraterna, com igualdade e justiça social para todos.
* Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, trabalhou no Jornal do Comércio, Zero Hora e agora atua em assessoria de comunicação.
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