O comercial da Fiat

Por Fernando Credidio A Fiat Automóveis, na minha visão, padece do mesmo mal que a maior parte das empresas que se autoproclamam socialmente responsáveis, …

Por Fernando Credidio
A Fiat Automóveis, na minha visão, padece do mesmo mal que a maior parte das empresas que se autoproclamam socialmente responsáveis, agindo dessa maneira apenas quando tal postura lhes é conveniente. O comercial que chegou a ser veiculado na semana passada (aquele onde aparece um ex-presidiário reincidindo no crime de furto qualificado) e que tanto tem causado indignação no meio acadêmico - ao qual pertenço -, entre os publicitários e, principalmente, junto à sociedade civil é, realmente, de extremo mau gosto, indo de encontro à imagem de boa cidadania que a montadora procura disseminar, país afora.
A mim, como comunicador e empreendedor social, sinceramente, o fato não causa espanto. Ao contrário. Atuando na área de responsabilidade social empresarial, há alguns anos, detecto, com relativa facilidade, quando as práticas e políticas do citado movimento não estão incorporadas a todos os segmentos de atuação de determinada companhia, a par dos projetos sociais que a mesma, eventualmente, possa apoiar ou patrocinar. Esses procedimentos, via de regra, fazem arte apenas de um discurso bem engendrado para a "venda" de uma imagem que, absolutamente, tais empresas não possuem e, sobretudo, na tentativa de conquistarem maior reputação às custas de atitudes, pretensamente, cidadas.
O departamento de comunicação e marketing da Fiat Automóveis cometeu três graves equívocos ao aprovar o referido comercial, criado pela agência Leo Burnett. Primeiro, ao incentivar o furto. Segundo, ao estereotipar e pré-julgar, de maneira subliminar e preconceituosa, todos os

ex-detentos, sugerindo que os mesmos são irrecuperáveis. Terceiro, ao induzir que o "novo" (???) Palio estará sujeito a furtos mais do que qualquer outro automóvel. Fico imaginando se, a esta altura, as companhias seguradoras já não estão pensando em promover um aumento nas apólices do citado modelo, em virtude da mencionada veiculação. Analisando-se o filme sob o prisma do consumidor, eu, particularmente, não gostaria de possuir um veículo visado por meliantes. Dessa

forma, a comunicação pode se transformar, como se diz na gíria, em "um tiro no próprio pé".
Mais do que errar por atacado na comunicação, a montadora italiana demonstrou total ignorância em relação à postura cidadã e socialmente responsável que toda companhia deve - ou deveria - adotar. Para mim, a empresa provou não ser nem uma coisa nem outra. Somente a título de esclarecimento, a fim de que todos entendam o que estou querendo dizer, empresa cidadã, sob o meu prisma, é aquela que cumpre a sua lição de casa, não sonegando impostos, não tendo passivos trabalhistas, tratando bem seus colaboradores, cuidando do meio ambiente e, por

que não, criando e aprovando campanhas publicitárias éticas, responsáveis - na acepção dos termos - e disseminadoras de bons exemplos . Enfim, cumprindo com suas obrigações. Por outro lado, empresa socialmente responsável - ainda que não exista nenhuma no país -, são todas as que, tendo ultrapassado a primeira etapa - o da cidadania corporativa -, podem se arvorar, aí sim, em implementar uma gestão ética e transparente, contribuindo para a promoção das transformações socioambientais das quais o país tanto necessita.
Isto posto, considero o citado filme lamentável sob ambos os aspectos. O pior de tudo, meus amigos, é que por trás de campanhas tão infelizes como esta, existem executivos sendo muitíssimo bem remunerados para criarem e aprovarem tais aberrações. Só faltou a agência incluir a distribuição de alimentos para o projeto Fome Zero, mediante a aquisição dos veículos. Aí estaria completo!
Confesso que sinto muitas saudades dos tempos em que os publicitários produziam peças e filmes criativos, embasados, fundamentalmente, em ética e valores humanos, ainda que estes estejam sendo colocados cada vez mais em segundo plano. A própria Fiat fez isto, no início da década de 90. A maioria deve se lembrar daquele comercial mostrando imagens de paisagens brasileiras, tendo como fundo a música "Meu país", de Ivan Lins. A forma era simples, com vocal, guitarra e baixo, mas era agradável, bonito de se assistir e de se ouvir, além de incentivar o nacionalismo (no bom sentido) e a paixão pelo Brasil, gerando significativo recall. Tanto é que até hoje eu me lembro dele.
Lamento, profundamente, que a Fiat tenha se deixado levar por proposta tão infeliz. Espero que, agora, os consumidores façam a sua parte, punindo a empresa e deixando de comprar o novo modelo Palio que, convenhamos, já deveria estar aposentado há bastante tempo.
* Fernando Credidio é executivo da organização Parceiros da Vida, de São Paulo.

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