O Conselho Federal de Jornalistas nos EUA

Por Antonio Brasil* Como explicar uma idéia ao mesmo tempo estranha e distante como o nosso polêmico CFJ para o público e para os …

Por Antonio Brasil*
Como explicar uma idéia ao mesmo tempo estranha e distante como o nosso polêmico CFJ para o público e para os nossos colegas jornalistas americanos? Sinceramente, não é tarefa fácil!
Esta semana, fui convidado pelo programa On the Media da National Public Radio, a rede de rádios públicas dos EUA, para discutir o CFJ. O gancho da matéria, obviamente, era o artigo do correspondente do NYT, Larry Rohter, e a resposta do governo Lula. Aqui entre nós, isso já está parecendo uma telenovela. Qual será o próximo capítulo do Presidente versus o jornalista americano?
O programa On the Media é uma espécie de Observatório da Imprensa no rádio e trata todas as semanas de grandes temas relacionados com a mídia. Apesar das dificuldades, em meio a tantas "baixarias", a rede de rádios e TVs públicas americanas ainda é uma alternativa de prestígio e qualidade.
O programa On the Media não costuma abrir espaço para as mídias internacionais. Mas os produtores e editores do programa estavam muito curiosos para saber como os colegas brasileiros se sentiam em relação à idéia de um conselho de jornalistas patrocinado ou, pelo menos, apoiado pelo governo.
Por aqui, o princípio de independência do jornalismo em relação ao governo é considerado fundamental e tem referências históricas. Trata-se de um princípio básico do jornalismo como a objetividade, equilíbrio, ou mesmo a busca da verdade. Todos sabemos que é quase impossível, mas tentamos todos os dias.
O jornalismo americano através da história tem uma relação muito "delicada" com o governo. Todos os governos. É só lembrar do caso Watergate e a renúncia do presidente Nixon. Jornalista aqui deveria ser sempre "watchdog", ou cão de guarda do governo. Mas os tempos mudaram e tem muito jornalista "lapdog", cãezinhos inofensivos de estimação.
A independência da imprensa em relação às intervenções, pelo menos às intervenções diretas do governo, é considerada essencial para a prática do jornalismo nos EUA.
Mas o mesmo jornalismo americano não considera problemático depender do grande capital. Trabalhar para grandes corporações não seria um problema para os jornalistas. Mas sofrer interferências ou trabalhar para o governo é considerado "pecado mortal". Quem trabalha para o governo ou diretamente para empresas, aqui, não é considerado jornalista.
Esses mesmos colegas que exigem a separação entre o jornalismo e o Estado aceitam que grandes corporações como a General Electric ou a Disney possam controlar redes nacionais de TV e empregar milhares de jornalistas. Nos EUA, independência do governo é fundamental. Mas dependência do capital é aceitável.
Creio que esse foi o principal tema dessa longa explicação e entrevista sobre o CFJ aqui nos EUA.
Tentei explicar aos colegas americanos que a tal separação ou distanciamento da imprensa em relação ao governo como justificativa sagrada para a manutenção da liberdade de imprensa e expressão é algo, no mínimo, muito duvidoso.

Afinal, o que seria pior? Uma dependência ou interferência do governo ou uma dependência e interferência econômica de grandes e poderosas corporações ou famílias brasileiras que controlam a mídia jornalística? O ideal, obviamente, seria trabalhar para o público, mas nem todo o mundo tem o privilégio de ter uma rede pública independente e poderosa como a BBC, por exemplo.
Para os americanos, é difícil entender um cenário de "capitanias hereditárias". A história americana é muito diferente da nossa. Difícil traduzir conceitos entre culturas que se parecem tanto, mas que na verdade, são tão diversas.
Aqui nos EUA, os tempos do Cidadão Kane estão muito distantes. Os novos e poderosos barões da mídia, como o Rupert Murdoch, dono da rede Fox, por exemplo, respondem a muitos acionistas, grandes e pequenos. No Brasil, nossos capitães hereditários da mídia controlam grandes empresas e não respondem a ninguém. Não respondem sequer aos sindicatos, ao público e, muitas vezes, não respondem sequer ao governo. Mas estão sempre preparados para "negociar" soluções econômicas.

Caso contrario, dá-lhe jornalismo investigativo. No Brasil é muito fácil apontar corrupção em todos os lugares. É questão de poder e querer.
Insisto. É difícil a vida de um correspondente internacional? de verdade. Uma coisa é relatar o que acontece em algum canto do mundo. Outra, é você tentar contextualizar e explicar essas notícias para o seu público. E ainda mais difícil, é tentar explicar o seu próprio país para os colegas americanos.
Mas procurei concluir o programa de forma positiva. O importante é que estamos admitindo que tanto a mídia como o jornalismo estão em crise e que precisamos "discutir" e definir nossos objetivos. Com Conselho ou sem Conselho, temos que repensar a nossa profissão. Corremos o risco de simplesmente desaparecer ou ser considerados dispensáveis, sem qualquer importância ou relevância para a sociedade.
* Antonio Brasil é jornalista. O artigo foi publicado originalmente no site www.comunique-se.com.br


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