O dia de fúria da Suprema Corte

Por Pedro Dória 27.06.2005 foi um dia particularmente agitado na Suprema Corte dos EUA ? três decisões extremadas, duas abordam o uso da Internet, divididas …

Por Pedro Dória

27.06.2005 foi um dia particularmente agitado na Suprema Corte dos EUA - três decisões extremadas, duas abordam o uso da Internet, divididas aí abaixo em três notas.

Uma tem pouco de complexo, foi a decisão no caso Grokster contra MGM - é, inevitavelmente, a decisão que os jornais e sites brasileiros estão comentando mais: os grandes estúdios de cinema e gravadoras querem o direito de
processar as redes P2P por quebra de direitos autorais.

Processar os usuários pendurados na ponta dos clones de Napster é tarefa amarga, por isso que ir à Justiça contra quem faz o software é prático. Até hoje, ao menos lá, não tinham conseguido por conta de uma decisão de 1984 da mesma Corte: o caso Sony Betamax. Na época, os ministros decidiram que a Sony não poderia ser processada por eventual pirataria feita com videocassetes porque a cópia ilegal não era o único uso da tecnologia.

Agora mudou. A Corte não decidiu contra as redes P2P. Mas interpretou que o caso de hoje nada tem a ver com o do passado, que as regras mudaram.

De presto, é a decisão que mais atinge o público brasileiro. Embora ela não vá condenar as redes P2P - o software está distribuído - provavelmente diminuirá o ritmo da inovação, com a perda do mercado norte-americano. Mas o impacto pode ser ainda maior, já que no fim tecnologias como o iPod e o videocassete inteligente TiVo existem justamente por conta da decisão anterior.

O precedente mudou e são os EUA que mais produzem tecnologia no mundo.

A segunda decisão é bem mais delicada. Segundo ela, as operadoras de tevê a cabo não serão obrigadas a oferecer sua rede para rivais. Ou seja, quem tem o cabo pode vender acesso a banda larga por ele sozinho. A princípio parece sensato, a coisa é bem mais sutil.

Em 1934, o Congresso dos EUA baixou um conjunto de leis que regulamentou a indústria da telecomunicação. Uma das coisas que precisou determinar era se uma empresa de telefonia seria obrigada ou não a deixar que as rivais explorassem o serviço pela sua rede. Decidiram que sim, o que possibilitou o surgimento de concorrentes na telefonia interurbana.

O raciocínio era o seguinte: quem explora um serviço de balsas atravessando um rio público, por exemplo, é obrigado a transportar qualquer um que esteja disposto a pagar um preço justo. Usando o mesmo argumento, a partir do momento em que os fios de telefone usam o espaço público, eles são como a balsa, não como o rio.

A Suprema Corte decidiu que, em tratando-se da venda de banda larga via cable modems, as operadoras de cabo não são obrigadas a vender o uso de sua infra-estrutura seca a um preço razoável. Ou seja, sua fiarada país afora é como o rio. Cria uma incongruência, já que a venda de banda larga por DSL - a estrutura telefônica - continua seguindo as regras antigas.

O argumento do governo - que ganha com a decisão - é que, se fosse visto como equivalente ao serviço de telefonia, as operadoras de cabo estariam sujeitas a um bocado de burocracia e regulamentação que termina por encarecer o serviço. E, além do mais, ao contrário dos telefones, que sempre foram uma mera infra-estrutura para conversa, o cabo sempre vendeu seu próprio conteúdo. Então seria diferente. O argumento dos provedores de acesso e ongs que saíram perdendo é que isto não faz o menor sentido.

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Em 2003, o conservador colunista norte-americano Robert Novak publicou a informação de que Valerie Plume, mulher de um diplomata, era agente da CIA. A teoria corrente é de que a informação foi vazada por conta do próprio governo, para vingar-se do marido de Plume, Joseph Wilson - um notório crítico da administração Bush.

Dois repórteres investigaram o caso: Judith Miller, a polêmica especialista em armas biológicas e químicas do New York Times, e Matthew Cooper, do New York Times. Um promotor público de Chicago requisitou que os dois repórteres revelassem com quem eles haviam conversado.

O objetivo da Justiça é descobrir quem é o responsável pelo vazamento do nome de agente secreto, crime federal, embora Miller e Cooper não tenham nada a ver com isso. Mas por conta da confidencialidade da fonte, eles se recusaram a revelar. Acusados de desacato, foram condenados a 18 meses de prisão ou até que decidam dar com a língua nos dentes.

Eles pediram à Suprema Corte que ouvisse o caso para identificar se a proteção do sigilo de fontes é ou não constitucional em determinados casos, revendo uma decisão anterior. A Corte disse não - os repórteres se aproximam da cadeia.
  

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