O dia em que Caco Barcellos foi seqüestrado

Por Cassio Politi O sol tinha raiado fazia poucas horas na Colômbia. Caco Barcellos foi a uma rua deserta e, lá, encontrou os guerrilheiros. …

Por Cassio Politi

O sol tinha raiado fazia poucas horas na Colômbia. Caco Barcellos foi a uma rua deserta e, lá, encontrou os guerrilheiros. Sentou-se no banco de trás do carro e foi obrigado a usar óculos com as lentes pintadas de preto.


"Fui seqüestrado", pensou o jornalista. Os homens da Exército do Libertação Nacional tinham quebrado o pacto.

Duas semanas depois, a reportagem estava no ar no Jornal Nacional, Globo Repórter e em outros programas jornalísticos da TV Globo. Mais do que a conquista de três prêmios, as matérias resultaram na libertação de três engenheiros da Braspetro seqüestrados pelos guerrilheiros.


A pauta


Um dado retumbava na cabeça de Caco Barcellos: mais de 30 jornalistas tinham sido mortos nas batalhas entre guerrilheiros e paramilitares. Um medo dosava sua ousadia: o medo de morrer. Concentrado em sua missão, o jornalista chegou a Bucaramanga, ao norte de Bogotá, na Colômbia, em abril de 1989.


Três engenheiros brasileiros da Braspetro haviam sido seqüestrados no dia 7 daquele mês. Os integrantes do Exército da Libertação Nacional queriam denunciar empresas de outros países que extraíam o petróleo do solo colombiano para exportação. Entendiam que a grande riqueza nacional vinha sendo roubada por estrangeiros. Uma forma que encontraram para fazer barulho era o seqüestro de funcionários dessas empresas.


O alvo


Uma produtora local foi contratada para fornecer equipamentos ao jornalista. Um funcionário da empresa foi quem deu o alerta.


- Se cuida, eles querem pegar você.


"Usei o artifício mais comum dos guerrilheiros: o elemento surpresa. Comecei a procurá-los. Deixava recado com várias pessoas, como médicos, estudantes e sindicalistas. Pedia a eles que avisassem aos guerrilheiros que eu queria falar com eles. Nos recados, eu perguntava por que eles não me atendiam. Minha oratória era simples: estou apenas cumprindo meu dever de jornalista. Na verdade, eles tinham medo de que eu não fosse só jornalista, mas um inimigo infiltrado".


Como uma forma de minimizar os riscos, Caco sempre andava no banco de trás do carro. Descia rapidamente para gravar passagens e fazer entrevistas. Falava com as pessoas em espanhol. Depois, corria de volta para dentro do carro. Havia uma luta contra o tempo e contra todas as possibilidades, uma vez que o adversário era imprevisível.


O contato


Possivelmente por meio do cinegrafista da produtora, que parecia ter ligação com o Exército de Libertação Nacional, Caco venceu a corrida. Encontrou os guerrilheiros antes que eles o encontrassem.


- Agora, não vale mais vocês me seqüestrarem. Eu encontrei vocês primeiro.


A frase dita por Caco ao telefone tinha um quê de bom humor. "O código que existe é o seguinte: se você surpreende o outro, ele fala ?perdi?".


A partir dali, não era aconselhável se expor nem mesmo no hotel. Se um paramilitar descobrisse o contato de seus inimigos com o jornalista, as conseqüências seriam perigosas demais, sobretudo para o repórter. Para contar o que sabia, seria torturado. Ou torturado e depois assassinado. "Fiquei alguns dias numa casa deserta, sem nenhuma comunicação. Só recebia bilhetes deles".


A captura


O encontro foi marcado para uma rua deserta na região rural de Bucaramanga. Antes, porém, Caco fez exames médicos. Não era a hora apropriada para sua saúde fraquejar. Os colegas da Globo, no Rio de Janeiro, acompanharam o desenrolar da negociação. De um dia para o outro, perderam o contato. Após cinco dias sem notícias, veio a desconfiança de que o repórter fosse o quarto membro daquele grupo de brasileiros seqüestrados. Pouco tempo depois, a Reuters divulgou a informação do seqüestro, com uma foto em que Caco aparecia sob a mira de uma arma.


Pelo acordo, ele não seria seqüestrado. Mas os guerrilheiros quebraram o pacto. Optaram por colocá-lo no carro na condição de refém, com a visão bloqueada pelos óculos escuros. Foram nove horas de viagem até a região de Barrancas, ao norte de Bucaramanga, mais algumas horas de caminhada pela montanha.


Aparências


O seqüestro foi a melhor opção para todos, por mais absurda que esta conclusão possa parecer. "Depois entendi que [a captura] era uma medida de segurança. Se fosse de outra maneira, eu corria o risco de ser torturado por paramilitares, que iam querer saber como tive acesso a eles".


Foram quase duas semanas no cativeiro móvel dos brasileiros e no acampamento dos guerrilheiros, sempre na condição de jornalista. Não se tratava de um seqüestro como os outros. Caco gravou, desde o segundo dia, reportagens com os brasileiros e revelou como viviam as cerca de 1.500 pessoas por ali. "Procurei mostrar muitos aspectos dessa guerra, que é muito suja. Outra coisa que me chamou a atenção foi o modo de viver das chamadas ?mulheres da guerrilha'".


Caco dormia em choupanas ou redes de palha num ambiente que não parecia ameaçador para os reféns. "No dia em que encontrei os engenheiros, eles ficaram muito felizes. Cheguei contando piadas e nossas gargalhadas quebraram o silêncio das montanhas. Os alvos das piadas eram sempre os guerrilheiros".


De volta para casa


Quando deixou o acampamento, Caco precisou sair por um caminho e as fitas, em poder dos guerrilheiros, por outro. "Eles tiveram combates no meio do caminho e, por isso, demorei alguns dias para resgatar as fitas".


O Exército da Libertação Nacional queria soltar os engenheiros. Isso não acontecia pela inércia da embaixada brasileira. As reportagens veiculadas a partir de 2 de junho de 1989 denunciavam essa inoperância. "Consegui trazer uma informação importante: bastava a intervenção do governo para libertar os engenheiros". O governo continuou ausente, mas o Sindicato dos Petroleiros foi até lá e negociou, com certa facilidade, a volta dos brasileiros para casa.


Os guerrilheiros aproveitaram a presença de um repórter de televisão por lá para mandar o recado para outros países? "Fiz a reportagem como conseqüência da negociação. Acredito que eles tenham aproveitado a minha presença por lá para tentar mandar o recado. Mas o conteúdo das reportagens não fez parte das negociações".

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