O estranho país onde um seio causa escândalo

Por Luiz Zini Pires* A clássica frase brotou no interior da nave Apolo 13, em abril de 1970, quando três astronautas, que não conseguiram …

Por Luiz Zini Pires*
A clássica frase brotou no interior da nave Apolo 13, em abril de 1970, quando três astronautas, que não conseguiram tocar o solo lunar tentavam uma volta emergencial ao nosso planeta. - Houston, nós temos um problema.
A sulista Houston, no Texas, Estado no qual o presidente dos EUA, George W. Bush, fez sua carreira política, abrigou no domingo passado a espetacular e milionária decisão do campeonato nacional de futebol americano. A audiência do Super Bowl foi estimada em 89 milhões de espectadores. De cada 10 lares com TV, quatro estavam sintonizados no jogo - unindo pai, mãe, filhos e parentes de todos os graus. Como o programa era familiar, cada anúncio de 30 segundos custou US$ 2,25 milhões.
A noite do jogo é o segundo domingo em que mais se come no ano e o terceiro em que mais se bebe. A segunda-feira seguinte, ressaca pura, lidera o ranking dos dias em que os empregados mais faltam ao trabalho.
No intervalo, enquanto os New England Patriots e os Carolina Panthers buscavam novo fôlego no vestiário (antes e depois de os telespectadores serem bombardeados por comerciais de cerveja, substitutos do viagra, comidas prontas, computadores e carros), Janet Jackson e Justin Timberlake se requebravam na frente de câmeras móveis. Dança menos libidinosa que as habituais performances lésbicas de Madonna ou os requebros excitantes de Christina Aguilera. Durante o show ao vivo produzido pela MTV, Timberlake puxou o top preto da cantora, deixando à mostra parte do seio direito de Janet, o mamilo cuidadosamente protegido por uma estrela prateada. A cena durou alguns segundos e chocou. Nada acidental, tudo tramado, apenas meio seio exposto sem aviso prévio, sem o alerta da censura, em horário nobre na sala de estar da classe média. Nada escultural, longe, milhas, de uma Globeleza.
Corpos dos filhos de Saddam são troféus
Nem a vitória dos Patriots a 10 segundos do final conseguiu mudar o foco das atenções. Uma pesquisa afirmou que todos prestaram duas vezes mais atenção no seio da cantora do que nos homens de capacete, cabeça batendo contra cabeça, dentro de campo. Quatro dias depois, a Comissão Federal de Comunicações (órgão regulador do setor, chefiado por Michael Powell, filho do secretário de Estado Colin Powell) já contabilizava 200 mil reclamações - durante todo o ano passado foram 240 mil. A mídia já rotulou o episódio de Mamilogate, uma referência ao caso Watergate, que levou à renúncia do presidente Richard Nixon. O Grammy, "Oscar" da música, vai ser apresentado neste domingo com um delay (atraso) de cinco minutos, algo que possibilita o corte e a edição das cenas e da músicas. O próprio Oscar deve seguir o mesmo caminho. As TVs locais odeiam surpresas.
Os EUA não parecem um país, lembram um mundo à parte, mesmo que em um lugar como o Queens, distrito de Nova York, vivam pessoas de cem nacionalidades diferentes se comunicando em 138 línguas. Neste estranho planeta chamado United States of America, o seio é tentação de Satã, e a cartilha rezada, neste ponto, é a mesma dos extremistas do 11 de Setembro.
Os corpos mutilados dos filhos de Saddam Hussein são troféus exibidos 24 horas. Em Hollywood, é permitido explodir cabeça, tronco e membros em câmara lenta. Na CNN e na FOX, as mortes são ao vivo e de verdade, e o sangue derramado não tem pátria. No EUA, a facada nas costas é permitido, seio é uma visão proibida.
Hoje, 34 anos depois, não um astronauta, mas gente com os pés na terra firme pode repetir.
- Houston, nós temos um problema.
* Luiz Zini Pires é jornalista. O artigo foi originalmente publicado na edição de Zero Hora de 08/02/2004.
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