O Menino Wuildes

Por J.A.Moraes de Oliveira O Wuildes Pacheco era meu primo, mas eu não sabia disso. Ele era repórter de polícia na "A Hora", quando …

Por J.A.Moraes de Oliveira

O Wuildes Pacheco era meu primo, mas eu não sabia disso. Ele era repórter de polícia na "A Hora", quando eu lá iniciava minha aprendizagem em jornalismo, sob as bênçãos de Josué Guimarães e Erasmo Nascentes.

U
m dia, mencionei à minha mãe que havia um colega de Tapes na redação. Ela perguntou o nome, disse que Wuildes era meu primo, quedou-se quieta por um momento e acrescentou, com um suspiro: "Pobre menino".

Eu levaria quase 50 anos para decifrar aquela frase.

Ele tinha uma voz de trovão e caminhava balançando o corpo, como se estivesse no tombadilho de um navio colhido pela tempestade. Uma vez, eu esperava o bonde na rua São Pedro, debaixo de uma chuva fina de agosto, quando o Wuildes Pacheco saía com o jipe do jornal para a ronda das delegacias da cidade. Me ofereceu uma carona até o centro, enquanto consultava a lista de ocorrências policiais do dia. Eram alguns furtos em bares, uma briga de faca entre um casal em Teresópolis e um assalto à mão armada no final da Avenida Cavalhada. Sem me consultar, mandou o motorista seguir para lá, desprezando as demais ocorrências.

O jipe disparou pelas ruas molhadas e chegamos no momento em que a polícia negociava com o assaltante. O Wuildes não hesitou um segundo, caminhou até onde estava o delegado, conversou em voz baixa e foi até onde o assaltante relutava em se entregar aos policiais. Vinte minutos depois, o Wuildes estava de regresso e o jipe acelerou de volta para a redação, com uma parada para me deixar perto de casa. No dia seguinte, na primeira página de "A Hora", uma matéria exclusiva com Wanderlei da Silva, um perigoso bandido que, depois de ser entrevistado com exclusividade pelo jornal, se entregara à polícia. E, claro, havia também um editorial indignado, denunciando o aumento da criminalidade na capital gaúcha. Era o segundo assalto na cidade em menos de um mês!

Algum tempo depois, fui trabalhar no "Jornal do Comércio" e ele continuou com suas rondas noturnas, enquanto estudava Direito durante o dia, para alcançar seu sonho - ser delegado de Polícia. Os anos passaram rápido e nunca mais tive notícias de meu primo, até que soube que ele sofrera um enfarte fulminante. Lembrei-me então da frase que eu ouvira há tanto tempo atrás. Teria sido uma profecia de minha mãe ou ela sabia de alguma coisa que não me contara?

No outro dia, encontro em Porto Alegre o Eloy Terra, um antigo colega de redação de "A Hora". Lembramos saudosamente nomes de amigos dos velhos tempos comuns em publicidade e jornalismo, até que chegamos ao Wuildes Pacheco.

Fiquei sabendo então que eles haviam sido amigos de infância em Tapes, onde o pai do Wuildes, Chiquinho Pacheco, tinha um bolicho de campanha. Lá, se vendia de tudo: desde feijão e arroz até arreios completos para montaria, fora os cortes de chita, os doces, as balas e o trago de canha para os mais velhos. No quintal dos fundos do bolicho reuniam-se os meninos da cidade, onde fundaram um "clube dos heróis". Lá, o Eloy era Buck, amigo do Capitão América, e o Wuildes era o Robin, amigo do Batman.

A mãe do Wuildes era de família importante: os Alencastro, de onde vinha o nome completo de meu primo, Wuildes Edson Alencastro Pacheco. Mas ele assinaria suas matérias no jornal apenas como Wilde Pacheco. Na polícia, ficou conhecido como Delegado Pacheco, um nome que os marginais da época logo aprenderam a temer.

Quando mencionei ao Eloy Terra a frase enigmática de minha mãe, ele me olhou de um jeito triste. Sentamos em uma mesa de bar e ouvi a história de nosso amigo morto. Eles haviam se reencontrado em Porto Alegre em 1953, na redação do "Diário de Notícias", e depois na redação de "A Hora". Já delegado de polícia, Wuildes fez um estágio nos Estados Unidos e tentou, sem sucesso, criar na polícia gaúcha uma força-tarefa para combater o narcotráfico. Desgostoso com as atividades policiais, Wilde fez um curso de pilotagem na escola da Varig e tornou-se comandante de jatos executivos. E foi nessa profissão que morreu. Não de acidente, mas de um enfarte fulminante.

O Eloy continuou, contando que, quando Wuildes estava com 10 anos, uma tragédia desmoronou sobre a família. Seu pai, Chiquinho Pacheco, morreu misteriosamente com um tiro na cabeça. E expirou nos braços do filho, que tinha paixão pelo pai.

Neste ponto, Eloy Terra interrompeu a narrativa e retornou aos seus tempos de infância em Tapes, onde ele e o futuro delegado Pacheco brincavam de Buck e Robin, sonhando em combater os bandidos deste mundo. E lembrou que Wuildes juntava trocados para comprar, no final do ano, a edição colorida do "Almanaque dos Heróis".

Lembrei então as palavras de minha mãe: "Pobre menino!".

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