O mito do amor romântico

Por Eloá Muniz* O filme Concerto Campestre é uma adaptação da novela original de Luiz Antonio Assis Brasil, escritor gaúcho. A primorosa direção de …

Por Eloá Muniz*
O filme Concerto Campestre é uma adaptação da novela original de Luiz Antonio Assis Brasil, escritor gaúcho. A primorosa direção de Henrique de Freitas Lima trouxe à narrativa cinematográfica a capacidade de suspender a realidade histórica para concretizá-la na fabulação. O movimento da narrativa imagética busca contar a história, a partir das oposições, como a perdição e o encontro; tocar o instrumento e pertencer ou não tocar e morrer.
A sensualidade juvenil seduz o olhar do expectador, ao mesmo tempo, que a arrogância do pai se contrapõe à ingenuidade da filha e à obediência da mãe. O diretor trabalha com a estética da coerência para revelar e exibir cenas sem compromisso com o bem e o mal. Os hábitos e costumes da época são mostrados, compondo as cenas, com displicência, sem, contudo, perder o caráter denunciativo do comportamento cultural daquela época.
A sensibilidade emana da tela e encontra o público. Os ensaios da orquestra fluem, a música ao fundo, a imagem refletindo a premissa: se posso matar e não faço, ao contrário, ajudo, deverão ser eternamente gratos por isso, então, deverão ser submissos à vontade de quem tem o poder. A orquestra é montada a partir dessa relação de poder. O maestro é trazido após uma negociação por sua liberdade. Tocar nessa orquestra é tudo que nos resta, diz o maestro.
A reprodução mítica das histórias de amor romântico: a bela mocinha ingênua, o belo príncipe sensível e sensual que pode revelar tudo sobre o amor, o pai autoritário e castrador e a mãe submissa, personagens típicos das tragédias gregas, que o filme estimula na imaginação pela chuva de sangue, pelo furacão que arrasta o mal e a natureza clara que tudo revela e tudo harmoniza.
Quando Clara passeia pela plantação com o noivo à procura de uma maçã perfeita, ela encontra. Feliz, morde a fruta. O que se revela não é o pecado original, é a necessidade de aprender a ler. A revelação se faz ainda maior: é preciso descobrir. A sociedade daquela época impunha às mulheres uma visão da infância que exigia a permanente supervisão materna e a convicção de que as mulheres respeitáveis não tinham sensibilidade sensual. O trabalho feminino definia-se pela ocupação das mulheres com tarefas repetitivas, demoradas e trabalhosas. Era um meio de gastar a energia e a inteligência feminina de forma inócua.
Como em todas as tragédias, o mito tem a propriedade de salvar mitos. Assim, a bela Clara, seduzida, se entrega ao amor do cavaleiro, que é belo, bondoso e bom de conversa. A aventura é sempre uma opção da personagem feminina, é um ato da imaginação.
Grávida, é levada pelo pai, como castigo, ao boqueirão. A cabana escura evoca novamente o imaginário, reproduzindo o mito da manjedoura. Clara, sozinha, dá a luz a um menino.
Como em todas as histórias de amor romântico, o mítico Miguel, príncipe da música, com um único beijo resgata Clara do castigo e da solidão. A cabana se ilumina anunciando mais um final feliz.
È importante, porém, reconhecer que é uma bela obra gaúcha. Uma história contada respeitando as tradições culturais da terra, mas incitando o expectador à imaginação, à aventura e ao gosto musical. E que bela música! Que bela imagem!
* Eloá Muniz é publicitária e mestre em Comunicação Social.
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