O trote

Por Mario de Almeida* Mês passado, a notícia de um trote sofrido pela RBS e publicada aqui em Coletiva, mexeu com minhas muitas lembranças …

Por Mario de Almeida*
Mês passado, a notícia de um trote sofrido pela RBS e publicada aqui em Coletiva, mexeu com minhas muitas lembranças que culminam com outro trote, há mais de 40 anos, este na Rádio Guaíba.
Voltemos mais ainda no tempo para focar a figura do jornalista Flávio Tavares que, em 1955, presidiu a União Estadual de Estudantes e, em sua gestão, fundou o Teatro Universitário, por onde passaram Amélia Bittencourt, Ivette Brandalise, Lilian Lemmertz, Luzia Mello, Yetta Moreira, Antonio Abujamra, Claudio Heemann, Fernando Peixoto, Glênio Peres, Luiz Carlos Maciel, Nilton Carlos Scotti, Paulo José e muitos outros. Eu, inclusive, dirigi para o TU, "O Provocador", de Paulo Hecker Filho, e "O Macaco da Vizinha", de Joaquim Manuel de Macedo, que, naquele ano de 1957, estiveram presentes nos sete prêmios "Negrinho do Pastoreio" distribuídos pela Folha da Tarde.
Flávio Tavares, na política estudantil, revelou-se um talento histriônico como imitador de vozes e, por telefone, fingindo ser um adversário, criava grandes e hilariantes confusões.
Mais tarde, como brilhante jornalista político da Última Hora gaúcha, foi escolhido por Samuel Wainer para ser o colunista da UH em Brasília, posição ocupada até os funestos idos de 1964. Flávio resolveu partir para a subversão, assumiu o codinome de Dr. Falcão e foi preso em 1969, sendo depois um dos exilados em troca do embaixador norte-americano Charles Elbrich (na mesma leva estava o hoje todo poderoso José Dirceu).
Junto com o grupo de Flávio foi preso o universitário Adail Ivan de Lemos, filho da poeta Lara de Lemos e de Ajadil de Lemos, vice-prefeito de Porto Alegre cassado pela "Redentora" logo nos primeiros dias de 64, junto com o prefeito Sereno Chaise. Consta ter sido no apartamento de Ajadil, falecido ano passado, que Brizola se escondeu, em plena Rua Duque de Caxias, até decidir ir para o Uruguai.
Num exemplar livro sobre os porões da Ditadura - Memórias do Esquecimento - Flávio nos deu um comovente testemunho daqueles tempos de terror.
Interessante como a simples notícia de um trote mexeu - e como mexeu - com esta minha cabeça abarrotada de lembranças. Vamos ao trote.

Final dos anos 50 ou início dos 60, houve uma entrevista coletiva do arcebispo Dom Vicente Scherer. Um repórter - Flávio Tavares presente me jurou que não foi ele - vendo-se sozinho numa sala da Cúria, defronte a um telefone, discou para a Rádio Guaíba, pediu o ramal do Jornalismo e deu a morte, naquele momento, do arcebispo. Como de praxe, foi pedida a sua identificação e ele, que desde o início imitava o sotaque do bispo Dom Edmundo Kuntz, respondeu ser o mesmo e deu, em seguida, o número do telefone onde se encontrava. Segundos depois, atendia o telefone e confirmava a morte do arcebispo. Outros segundos e a Rádio Guaíba interrompia a programação normal e colocava no ar - em edição extra - a falsa morte.
Essa é uma das boas histórias do jornalismo gaúcho, onde se inclui uma outra, quando o Correio do Povo inverteu parte das matérias Social e Turfe e publicou: "Montarias para Hoje - Casam-se?"
* Mario de Almeida é jornalista, publicitário, dramaturgo, autor de "Antonio?s, caleidoscópio de um bar" (Ed. Record), "História do Comércio do Brasil - Iluminando a memória" (Confederação Nacional do Comércio) e co-autor, com Rafael Guimaraens, de "Trem de Volta - Teatro de Equipe" (Libretos).
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