O uso de imagens e a cultura global

Por Ana Cenamo No final dos anos 70, uma preocupação varreu as escolas de linguística nas universidades italianas: a televisão estava se espalhando pelo …

Por Ana Cenamo
No final dos anos 70, uma preocupação varreu as escolas de linguística nas universidades italianas: a televisão estava se espalhando pelo país e as transmissões vindas de Roma e de Milão, os maiores centros urbanos da Itália, começavam a influenciar os dialetos. Os acadêmicos temiam o pior - que, ao longo do tempo, esses dialetos desaparecessem, dando lugar ao italiano falado na TV e provocando uma corrupção escandalosa na cultura do país.
Na verdade, isso não aconteceu, embora os calabreses agora consigam imitar direitinho o sotaque dos romanos. Se a hipótese fosse verdadeira, deveríamos supor que hoje todos os brasileiros falassem com o mesmo sotaque dos apresentadores do Jornal Nacional - isso não aconteceu mas, hoje, o sotaque do Jornal Nacional é compreendido por todos.
Essa ampliação do alcance da mídia, que passou pelo rádio, pela TV e culminou com a Internet em rede mundial, parece ter produzido um fenômeno diferente, observado especialmente nas representações feitas por meio de imagens.  Com cerca de 10 milhões de arquivos à disposição dos clientes, a iStockphoto acaba sendo um posto de observação privilegiado para isso: criativos do mundo inteiro buscam nesses arquivos imagens para representar ideias, sentimentos, emoções, perspectivas.
E, curiosamente, há uma enorme coincidência nas escolhas que eles fazem. Mais ainda: uma enorme coincidência nas escolhas, mesmo quando os criativos são de países diferentes.  Isso significa que muitos dos conceitos que orientam os criativos são mesmo globais? Liberdade, dúvida, ansiedade, alegria e outros conceitos são frequentemente representados pelas mesmas imagens em diferentes culturas? Ou a coincidência acontece por que falta melhor oferta de imagens - especialmente nos Bancos de imagens. Faltariam arquivos e criações que representem uma realidade local/regional própria de uma cultura?
Até outubro do ano passado, por exemplo, podíamos observar na iStock o seguinte fenômeno: a foto mais baixada no Brasil foi também a campeã na Inglaterra, e a segunda colocada nos EUA e no Canadá. Foi, ainda, a segunda colocada na classificação geral de downloads até outubro de 2011 (com 3.702 downloads). Chama-se "Business colleagues working on a laptop" (Colegas de trabalho trabalhando em um laptop), do colaborador dinamarquês Yuri Arcurs. No ano de 2010, essa foto havia ficado em sexto lugar no mundo.
Mais coincidências: a segunda foto mais baixada no Brasil foi também a segunda na Inglaterra e no Japão e a mais baixada de toda a iStock até outubro de 2011, com 4.159 downloads. Intitulada "Multiracial Hands Making a Circle" (Mãos multirraciais formando um círculo), é do colaborador AlexMax, do Canadá. Esse arquivo havia ficado em sétimo lugar, em 2010.
O que podemos apreender com isto? Existe hoje uma universalização imagética para alguns conceitos? Liberdade para mim e para você pode ser representada pela mesma imagem?
Quando li estes resultados pela primeira vez levei um susto. Esperava encontrar nas imagens utilizadas por cada cultura algo referente e muito particular desta. Imaginava que pelo menos entre Ocidente e Oriente a diferença fosse visível e não foi isto que encontrei. O criativo brasileiro escolhe a mesma imagem que o americano, o canadense, o inglês e o japonês! Será que estamos consumindo imagens para atender a uma demanda global e ponto?
Será que as imagens de "stock" - Banco de imagens - são também uma resposta à demanda do mercado e acabam por suprimir a expressão local, regional? Artistas suecos, iranianos, chilenos, russos, americanos, japoneses, franceses, italianos, entre outros, criam pelo seu olhar uma visão de mundo diferente e fruto de sua experiência de vida ou produzem imagens que respondam a uma idéia padronizada para cada coisa, ato, sentimento, tudo?
O que fica para mim desta reflexão inicial é o alerta e o desejo de incentivar mais e mais a produção local de conteúdo! Para podermos ter uma imagem nossa para o conceito de liberdade temos de ter criação nossa de imagens que reflitam este conceito, concordam? E isto, em uma operação web 2.0 genuína como a da iStock é possível! Em uma comunidade colaborativa que se auto gere e regula e que tem seu conteúdo criado independentemente, isto é possível!
Sou uma utopista que acredita que estamos passo a passo criando um novo caminho: para a expressão pessoal e para uma comunicação mais livre, poética e sem fronteiras. O Instagram está aí para confirmar o que digo: fotógrafos e amantes de imagens do mundo todo se reúnem em uma comunidade para simplesmente "conversarem" através de fotos que relatam uma história, um ponto de vista, fazem uma graça, te tocam a alma pelos olhos?
Quem usa sabe do que estou falando.

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