Onde “Já´´ se viu ?

Por Antonio Oliveira* Um ou dois dias depois que assumi a presidência do Sindicato dos Jornalistas, no final da década de 70, recebi na …

Por Antonio Oliveira*
Um ou dois dias depois que assumi a presidência do Sindicato dos Jornalistas, no final da década de 70, recebi na minha sala a visita de um sujeito, que eu não conhecia. Nunca o tinha visto.
Um imenso armário, que para passar pela porta parece até que teve de baixar a cabeça. Entrou, cumprimentou, apertou minha mão e foi sentando numa cadeira que tinha à frente da minha mesa.
Em seguida, desfilou um monte de perguntas, sobre a minha vida, de onde eu tinha saído, o que que eu fazia ou tinha feito. Depois continuamos falando de política, ele deu algumas "orientações´´ sobre o que ele achava como tinha que ser conduzido o sindicato.
Concordei com todas. Naquele tempo não era difícil, pois o fulcro principal era acabar com a ditadura. Depois do interrogatório, ele levantou-se e disse-me que eu estava aprovado.
Passaram-se anos, e no dia dos 50 anos do meu amigo Licínio Azevedo, jornalista, escritor, poeta e cineasta moçambicano (nem ele nega que hoje é menos brasileiro, depois de mais de duas décadas morando na África), saímos para um bar junto com outro poeta, Emílio Chagas. O início do novo século me incomodava.
Um bar pequeno, numa esquina da Rua da República, que tarde da noite está sempre atulhada de jovens das mais variadas tribos. Eu nem sabia a razão de ter ido parar naquele lugar. Licínio e Emílio certamente sabiam.
Confesso que mesmo tendo tomado umas e outras, não me senti à vontade. Vi meninas e meninos, com certeza mais jovens que as minhas filhas adolescentes, que pareciam drogadas. Definitivamente, não era o meu lugar.
Mas o que mais chamou-me a atenção foi um garoto com duas imensas argolas nas orelhas. Argolas que brilhavam. Na testa, duas saliências, como se estivessem nascendo chifres, ou coisa parecida.
Fiquei confuso e por várias vezes, disfarçadamente, olhei aquele jovem. Impressionei-me tanto, que nunca esqueci a sua imagem. Perturbadora. Mas ele me pareceu feliz, como a maioria daqueles tipos estranhos que frequentavam o lugar.
Este ano, os dois momentos que eu narrei se misturaram num Prêmio Esso de

Jornalismo.
O armário que me abordou logo que assumi o sindicato era nada mais nada menos que o então jovem Renan Antunes de Oliveira, quando ainda não se acorrentava e nem deitava nas portarias das empresas para cobrar salários.

Mas já perturbava bastante.
O menino que eu vi e nunca consegui esquecer era Felipe Klein. Só fui me dar conta disto quando abri o jornal JÁ e vi sua foto. Levei outro choque, ao identificá-lo.
Conheço em parte e respeito profundamente a história de Odacir Klein. No dia em que outra tragédia o envolveu em Brasília eu estava de plantão no Correio Braziliense. Um dos companheiros de redação chamou-me para um canto e contou-me detalhes de um encontro, que tivera com Odacir no Clube do Congresso, horas antes do acidente em que ele e seu outro filho haviam atropelado e morto um jovem.
Escutei a história e votei contra sua inclusão na matéria que iria ser divulgada no dia seguinte. Não enriqueceriam a matéria.
Logo que Felipe morreu, todos os jornalistas de Porto Alegre sabiam que ali estava uma história fantástica, que daria uma grande reportagem. Participei de algumas rodas em que o tema foi comentado. Ninguém se atreveu a escrevê-la.
Renan foi atrás. Jornalista é para isto mesmo. Para sair atrás das histórias. E contá-las.
Comecei a ler a matéria de Renan e fui até o fim. Sempre com a preocupação de que ele resvalasse em algum momento, excedendo-se. Quando leio uma boa matéria, torço para que ela seja completa, perfeita. Poucas vezes fico satisfeito. Cheguei ao fim, além de estupefato, aliviado. Renan não resvalara. E todas as informações estavam ali. Sem apelar para o mundo cão. Sem trucidar ninguém.
Levei o jornal para casa para que minhas filhas lessem.
A primeira coisa que pensei foi que estava ali uma matéria para ganhar o Prêmio Esso. Mas também pensei que isto jamais aconteceria.
E ainda lembrei do episódio em que outro "jornalzinho de bairro´´, o Oi Menino Deus (imaginem só, que ousadia desta gente!), resolveu ganhar um Prêmio Ari. Pelo desaforo, o Oi e a ARI levaram uma chinelada da RBS. Onde se viu?
Agora, os jornalões nacionais fazem o mesmo com a ousadia do Renan e do JÁ do Elmar Bones, o nosso Bicudo. Onde "Já´´ se viu ?
A verdade é que as grandes histórias para as grandes reportagens estão ai. É só trabalhar, pessoal. É só voltar a fazer jornalismo.
* Antonio Oliveira é jornalista, ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no RS e ex-dirigente da Fenaj.
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