Orwell e o futebol

Por Braulio Tavares Dias atrás nas redes sociais foi postado um artigo de Lima Barreto em que ele descia a ripa no futebol, jogando-lhe …

Por Braulio Tavares

Dias atrás nas redes sociais foi postado um artigo de Lima Barreto em que ele descia a ripa no futebol, jogando-lhe em cima todos os defeitos e vícios possíveis. É conhecida a antipatia de Lima pelo jogo de bola, talvez aumentada pelo fato de que em sua época era um esporte de rapazes brancos e ricos, como são hoje o hipismo e o golfe. Já comentei aqui um ótimo livro de Mauro Rosso, "Um Fla-Flu Literário", que contrapõe os artigos sobre futebol de Lima Barreto (contra) e de Coelho Neto (a favor). (Ver: http://bit.ly/13yAvnj).


Isto me lembrou outra diatribe famosa contra o esporte bretão, desta vez de um autor não menos bretão. George Orwell ("1984", "A Revolução dos Bichos") publicou em dezembro de 1945, no "Tribune", um artigo devastador intitulado "O espírito esportivo" ("The sporting spirit" - aqui: http://bit.ly/4IGPTc). O gancho jornalístico foi a excursão do Dínamo de Moscou pela Inglaterra (certamente numa daqueles campanhas de boa vizinhança do pós-guerra), enfrentando clubes ingleses. Orwell começa dizendo que "se uma tal visita teve algum efeito nas relações anglo-soviéticas foi apenas a de torná-la um pouco piores do que estavam antes".


Orwell vê o mal em todos os esportes competitivos (não poupa o boxe), e diz: "Joga-se para vencer, e o jogo não tem muito sentido a menos que se faça todo o possível para vencer. (?) No momento em que fortes sentimentos de rivalidade são despertados, a idéia de jogar de acordo com as regras desaparece. As pessoas querem ver um time por cima e o outro humilhado, e esquecem que não faz sentido uma vitória obtida através de trapaças ou da intervenção da torcida."


Orwell escreveu numa Europa esgotada pela guerra, onde os antagonismos nacionais persistiam: "O pior não é o comportamento dos jogadores, mas a atitude da torcida, e, para além da torcida, das nações que entram em fúria a propósito dessas competições absurdas, e acreditam seriamente - pelo menos por algum tempo - que correr, pular e chutar uma bola são testes para as virtudes nacionais".


Ele observa com agudeza que entre o Império Romano e o século 19 o esporte não foi levado muito a sério, e que então, nos EUA e na Inglaterra, começou a ser tratado como uma atividade de altos investimentos. E diz: "Se alguém quiser aumentar a má-vontade já considerável que existe no mundo, não teria nada melhor a fazer senão promover jogos de futebol entre judeus e árabes, alemães e tchecos, indianos e ingleses, russos e poloneses, italianos e iugoslavos."  O que pensaria Orwell se tivesse visto os "hooligans" ingleses, as hecatombes de arquibancada, as batalhas campais dos torcedores em cidades pacíficas?


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