Os começos de Elmore Leonard

Por Braulio Tavares  Já houve uma tradição de começar um romance com a descrição de uma época ou de um ambiente, e só entrar …

Por Braulio Tavares 
Já houve uma tradição de começar um romance com a descrição de uma época ou de um ambiente, e só entrar na ação propriamente dita um pouco mais adiante. E depois surgiu a técnica moderna de começar no meio da ação. Em vez de longos planos-de-conjunto mostrando um ambiente, começar o livro com um close num rosto que pensa ou diz algo, numa mão que faz um gesto, numa pessoa que entra num local.
Fãs de Elmore Leonard fizeram (aqui: http://tinyurl.com/k622jwn) um recenseamento de todos os começos dos livros desse autor que escreveu policial, faroeste e outros gêneros de narrativa curta, seca, direta. Leonard gosta de começos como: "De vez em quando, pela manhã, ele pensava no homem chamado Kirby Frye" ( The Law at Randado, 1954). Omitindo o nome do protagonista, ele dá destaque ao nome com que este se preocupa. Ou então o início de City Primeval (1980): "Um dia Karen DeCilia organizou algumas observações que tinha feito e concluiu que seu marido Frank estava tendo um caso com uma corretora de imóveis em Boca". Uma econômica maneira de mostrar um triângulo amoroso de modo não estático: a história já começa com o instante do "heureca" de uma personagem.
Cat Chaser (1982) começa parecido: "A primeira impressão de Moran a respeito de Nolen Tyler: ele parecia ser de alto risco, o tipo do cara que pega no sono fumando na cama". Com dois traços ele nos diz algo sobre o personagem que avalia e o que é avaliado. Mostrar personagem e situação ao mesmo tempo é o mérito desta abertura de Bandits (1987): "Toda vez que Jack Delaney recebia um telefonema do hospital dos leprosos para ir buscar um corpo ele era atacado por uma forte gripe ou coisa parecida". O mesmo com: "Foley nunca tinha visto uma prisão onde você podia andar direto até a cerca sem levar um tiro." ( Out of Sight, 1996).
Momento crucial é um bom lugar para começar uma história: "No último dia de trabalho de Chris Mankowski, às duas da tarde, faltando duas horas para ir embora, ele recebeu uma ligação para ir desarmar uma bomba" ( Freaky Deaky, 1988). Ou então imagens fortes que revelam o personagem: "Dennis Lenahan, o ás do trampolim, dizia às pessoas que se você puser uma moeda de 50 cents no chão e olhar para ela de cima para baixo, vai ver o mesmo que ele via quando estava no topo da escada de aço de trinta metros de altura" ( Tishomingo Blues, 2002).
Começos assim têm uma concretude visual e emocional que jogam de imediato o leitor na ação, na vizinhança dos personagens. O desafio é manter esse tom ao longo de 200 páginas, mas parece ser uma técnica que, uma vez dominada, pode ser posta em prática sempre que preciso. Mas leva tempo.
Braulio Tavares é escritor e jornalista. Tem o blog http://mundofantasmo.blogspot.com.
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