Paixões avassaladoras

Por Renato Gianuca Quando se re-visita a cidade natal, no caso o velho Rio Grande, as emoções afloram. Naturalmente, vêm à tona as lembranças …

Por Renato Gianuca

Quando se re-visita a cidade natal, no caso o velho Rio Grande, as emoções afloram. Naturalmente, vêm à tona as lembranças mais antigas. E muito bem guardadas nos desvãos da memória. Por exemplo: quando meu terceiro irmão, agora um emérito advogado e também um filósofo diplomado, nasceu, nos idos finais dos anos 40, meu pai e minha mãe sofreram um leve desapontamento.


Pois não é que o guri havia chegado ao mundo com as pernas levemente arqueadas, à la Garrincha? A solução, prática, logo veio à mente brilhante do doutor Cícero e seus conselheiros: iríamos, todos os anos, veranear na Praia do Cassino. Com o cálcio e o iodo do mar, o maninho logo ficaria bem, com as pernas consertadas. Aconselhado por médicos "irmãos", meu pai e minha mãe largaram tudo em POA e nos tocamos, os cinco,  para Rio Grande, assim que chegou o verão e as férias escolares (naquele tempo, eram três intermináveis meses)..


Pois, nos anos 49-50 (do século passado), a viagem era uma verdadeira aventura. Basta dizer que, em outra oportunidade, já éramos seis (havia nascido o caçula, os dengues da mãe, e o único da família a ostentar o "título" de cidadão porto-alegrense).  Então, a epopéia demandava ultrapassar no mínimo dois rios furiosos, com as águas escorrendo, as águas das chuvas de verão, agora ora escassas, ora ultra-abundantes, neste século 21.


Na passagem do rio Camaquã, o velho Renault nos deixou na mão. A balsa pinoteou, o carrinho chiou e? parou.  Foram horas debaixo de chuva, à espera de um mecânico. Que, afinal, não chegou. O pai, então, improvisou. Colocou tábuas nas rodas traseiras e dianteiras. Todos, inclusive a Mãe, foram chamados para o "último esforço". E conseguimos desatolar o velho, e valente, carrinho francês. (Naquele tempo, pensar em JK e na indústria de autos brasileiros era, ainda, uma utopia).


Para concluir: quando se viaja, é tanto no espaço geográfico como no tempo, acredito eu. Fui para ficar 20 dias. Acabei permanecendo no velho Rio Grande por três meses. (Ver as colunas deste jornalista dos dias 31 de Outubro e 23 de Outubro, sob o título "Revisitando a Cidade Natal").


Estourei todos os prazos. Estou devendo artigos para  a revista do FNDC (sorry, James e Rita!), comentários para o Observatório da Imprensa (perdão, mestres Dines e Egypto) e o site Fazendo Média (sempre ótimo, com seu título irônico: "A média que a mídia faz"). Estou em dívida, ainda, com a EcoAgência de Notícias Ambientais (sorry, Juarez e Ulisses, por prometer matérias que ainda deverei escrever, com um "certo" atraso").


E, principalmente, estou devendo estas explicações aos meus cinco ou seis leitores fiéis (Vitor Bley, Moacyr Scliar, Márcia Martins, Paulo e Rosa do Carmo, entre outros). Não me foi possível manter o ritmo semanal, exigido, aliás muito corretamente, pelo diretor do Coletiva.Net, meu colega de Comissão de Ética do Sindicato dos Jornalistas do RS, o Vieira da Cunha.


Tolerante ao extremo, o diretor do Coletiva me concedeu este espaço, agora como articulista, para poder escrever estas remembranças de um jornalista lírico, ex-boêmio (com recaídas, como agora nestes três meses no Rio Grande histórico).


Se fiquei por lá mais do que o combinado, as razões são sentimentais: a velha cidade fascina, seus tipos humanos - as mulheres, em especial - são tri, as peripécias de andar por suas velhas ruas e avenidas são, ora!, demais.


Formam tudo aquilo que posso chamar de paixões avassaladoras. No sentido exato do termo lembrado por Karl Marx em suas obras. Ou seja: a sociedade sempre será, até o advento futuro e longínquo do comunismo, uma sociedade dividida em classes. Na Idade Média, dizia  o mestre germânico, avassalador era a condição de um vassalo. Não era propriamente um escravo, como Espártaco, por exemplo. Era mais alguém tipo classe média, nem um cavalheiro do rei nem um servo humilhado diariamente pela prepotência da chamada "nobreza". As paixões avassaladoras, portanto, afligem aqueles que vivem entre a classe dominante - os barões da grande mídia, por exemplo, como os Murdoch e os Cisneros da vida - e a grande maioria humilhada e desprezada pelos adeptos da guerra total contra os pobres. Seja por doenças que afligem a África (malária, febre amarela, Aids), seja por guerras de extermínio (guerra civil na Somália, extermínio de palestinos entre si, como se vê nos telejornais internacionais deste final de semana, falo do dia 06.01.2007 para o domingo 07.01.2007).


Mudou alguma coisa nas previsões de Marx? Talvez. Resta observar apenas o aquecimento global e seus efeitos catastróficos, com revistonas como a Veja rendendo-se afinal às evidências de um fator que vem sendo denunciado há mais de 30 anos pelos então chamados de "eco chatos". Pois , agora, neste número de final de 2006, a revistona da Abril abre o jogo e prega, abertamente, sete soluções quase que de sci-fi (ficção científica) para, segundo ela mesma, evitar o apagão econômico das "grandes" potências, os Estados Unidos à frente.


Gente, vamos deixar de lado as brincadeiras. A situação ambiental é muito séria para ser tratada desta forma. A mais recente revista do CREA-RS dá um enfoque mais correto da situação. E conclama todos a um esforço ingente, para que possamos salvar o Planeta, para nós, nossos filhos , filhas, e netos. Ainda há tempo. De resto, é viver, enquanto dá, as tais paixões avassaladoras.

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