Papel carbono

Por André Martins Eu, redator, confesso: morro de inveja de quem vai ao 1º Encontro Latino-americano de Redação Publicitária de Parati. Não tanto pela …

Por André Martins

Eu, redator, confesso: morro de inveja de quem vai ao 1º Encontro Latino-americano de Redação Publicitária de Parati. Não tanto pela programação, que não é lá uma Brastemp (www.alaprio.com.br). Tem coquetel, exposição de anúncios (espero que com textos), lançamento de livro em que o autor ou autores não são citados, palestras com debate, sem citar os palestrantes, homenagens e entrega de prêmios. Tudo bem. Um passeio por Parati compensa. E com folga.


Brincadeiras (de redator) à parte, a iniciativa da Alap e dos Clubes de Criação do Rio e São Paulo é mais do que oportuna. É, no mínimo, curiosa. Acreditem, o redator publicitário já foi dado como morto e enterrado numa campanha do Festival Mundial de Publicidade de Gramado - de 2001, se já não me falha o hd. O referido vt comparava o redator a coisas obsoletas como o papel carbono.


Confesso também que o comercial me deixou chocado não só por descobrir que eu havia fenecido, mas porque a afirmação vinha de uma instituição mundialmente reconhecida. Apesar da respeitabilidade do anunciante, não dava pra concordar com a própria morte anunciada, a não ser que ela fosse redigida por um Gabriel Garcia Marquez. Soava mais como uma ameaça. Ou um atentado.


O comercial em questão gerou até uma certa polêmica, um pequeno bate-boca em que o veredito foi reforçado: no mundo da imagem e da direção de arte, o homem das palavras estaria com os seus dias contados. Poucos dias. Minutos, segundos, talvez. Só tem uma coisa: pelo texto do comercial, todo ele muito bem produzido, ficava evidente a participação de um redator. E bom. Traidor. 


É por essas e outras que eu, redator, continuo aqui me confessando: tenho curiosidade de saber o que os colegas-defuntos vão falar e ouvir durante os dois dias desse encontro histórico. Vítimas do mundo esmagador das imagens, qual será o texto desses homens de palavras?


Com tantas certezas pairando no ar poluído e imediatamente sumindo sem nem deixar rastro, a supremacia da imagem na comunicação é uma das que continua por aí. O momento é mais do que oportuno para atirar palavras sobre o assunto. Estou fazendo a minha parte.


Outra coisa que sou forçado a confessar é que sinto falta de presenças, digamos, mais significativas no evento. Redatores famosos e outros nem tanto, mas igualmente ótimos poderiam estar entre os palestrantes. E escritores, também. Muito embora redação publicitária não seja literatura, um escritor talvez emprestasse um olhar novo, de fora, um olhar de primo rico. Luiz Fernando Verissimo, que já foi redator publicitário, e que certa feita escreveu que textos publicitários quando tentam ser literários viram, no máximo, má literatura. Mas como ele não é de falar, quem sabe o João Ubaldo Ribeiro. Ele é bom de palavra escrita, falada e debochada. E já pensaram em Saramago tergiversando à lusitana sobre a redação de reclames? Imperdível. Quem sabe até o Amyr Klink, que mora nas redondezas e é um mestre em ousadia, planejamento e criatividade aplicada a aventuras marítimas.


O pessoal que organizou o evento também poderia ter pensado em um slogan, afinal, o encontro é de fazedores de slogans. Tenho uma sugestão: Uma imagem vale por mil palavras; diga isso sem elas. O ponto e vírgula é pra dar um ar obsoleto à frase do (genial) Millôr, que provoca: diga que uma imagem vale por mil palavras usando apenas imagens.  


É por isso que eu, redator, confesso: gostaria de estar lá para testemunhar o texto do encontro sendo redigido. Numa máquina de escrever e com papel carbono.  Com tanta gente de palavra junto e Parati ao fundo, o clima não está para velório.

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