Para não esquecer

Por Márcia Fernanda Peçanha Martins* Como já escreveu em uma de suas crônicas publicadas neste site, o jornalista Mario de Almeida, um assunto chama …

Por Márcia Fernanda Peçanha Martins*
Como já escreveu em uma de suas crônicas publicadas neste site, o jornalista Mario de Almeida, um assunto chama o outro, que termina resultando em uma crônica que acaba gerando uma nova crônica. E o ciclo está formado. Foi assim que nasceu esse artigo. Depois de ler a crônica do Mario intitulada "Loteria Natalina", resolvi fazer um balanço dos presentes recebidos no Natal e concluí que o Papai Noel também foi generoso comigo, e nem sei se sempre fui boazinha, como quer a tradição. Mas quem não faz pequenas maldades? Então, ganhei bons presentes dos meus familiares, principalmente o carinho e a presença de todos na noite natalina e depois, na virada do ano.
Mas, dois presentes singelos e especiais me tornaram a mais feliz das criaturas. O primeiro, um cartão de Natal lindo, escrito pelo meu afilhado e sobrinho Rafael, cujo nascimento, há 19 anos, tem uma importância memorável na minha compreensão de vida e escala de valores. Pequenas palavras, escritas com a sua letra ,desenhada, que me lembrou muito os rabiscos garatujados do meu irmão Dédi (falecido há menos de dois anos), me fizeram ter a plena consciência de que eu já fiz a diferença na vida de alguém. E como isso é importante. Saber que a nossa presença e os nossos ensinamentos tornaram a vida de alguém tão próximo mais rica e fértil.
O Rafa me disse mais ou menos isso, com um carinho que me inunda toda vez que lembro das palavras. E, fazendo uma ligação com o Rafa, que está começando a exercer a sua cidadania enquanto estudante de Ciências Sociais e tem posições firmes e ousadas sobre o lado da história que recém entrou no seu currículo e, por vezes, desconhece, o segundo presente me emocionou demais. Da minha filha Gabriela, ganhei o livro "Sessenta e quatro - Para não esquecer", uma coletânea com depoimentos brilhantes de jornalistas, intelectuais , músicos e outros que sobreviveram à derrubada de João Goulart e o que aconteceu depois do golpe militar.
Claro que eu havia deixado insinuado para a Gabriela que eu queria muito ganhar esse livro, lançado em outubro de 2004. E ela, por diversas vezes, me perguntava com a sua impertinência espontânea o motivo de minha fixação pelo livro. É que adotei a tática de mostrar o livro sempre que passava com ela na vitrine de alguma livraria e dizia: "É para não esquecer", fazendo referência ao nome do livro. Desde que o livro caiu nas minhas mãos, que já devorei mais de uma vez cada capítulo e tentava, deixando um pouco de lado as minhas argumentações sempre esquerdistas e radicais, explicar para a Gabriela a importância do livro e não conseguia. E me lembrei que em várias ocasiões disse para o Rafa que ele deveria ver o filme "Olga", que sempre vinha com a resposta de que iria esperar chegar em DVD.
Rafa e Gabriela, nos dois presentes citados, encontrei a resposta para a necessidade de assistir Olga e a importância do livro. Na orelha, uma citação retirada do texto do Nei Lisboa diz: "Aos militares que perpetraram o golpe, o Brasil oferece, respeitosamente, não a mera impunidade, mas a guarda vitalícia da memória nacional entre arquivos, cadáveres, fatos e nomes que jamais lhes foram exigidos. Aquilo que pretendemos nunca mais esquecer, é prudente que antes tenhamos como lembrar". Porque eu quero continuar sendo importante na vida de vocês, e para que vocês nunca esqueçam das atrocidades que podem ser praticadas contra a vida humana, é bom conhecer os fatos. Para ter como lembrar. Para não esquecer.
* Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, trabalhou no Jornal do Comércio, Zero Hora, na assessoria de comunicação da Prefeitura de Porto Alegre e agora está no Correio do Povo.
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