Para os alfinetes

Por Elóy Terra As práticas do toma-lá-dá-cá nas relações entre o público e o privado são muito antigas na história do Brasil, e sempre …

Por Elóy Terra

As práticas do toma-lá-dá-cá nas relações entre o público e o privado são muito antigas na história do Brasil, e sempre "amenizadas" com curiosos eufemismos. Temos assim os presentinhos, as mesadas, os mimos, os ajutórios para amigos necessitados, as generosas comissões e por aí afora. Mas no fundo é sempre o dinheiro rolando na esteira das conveniências. Essa prática já teve até mesmo o inocente nome de "alfinetes".


Houve uma época em que os alfinetes eram artigo de luxo, de difícil fabricação e custavam muito caro. Mas com a produção em grande escala o preço baixou tanto, que alfinete acabou se tornando sinônimo de coisa de pouco valor, surgindo daí a expressão popular trazida para o Brasil pelos portugueses: "Isto é para os alfinetes", referindo-se a uma quantia em dinheiro, geralmente oferecida às esposas, filhas, noras, noivas, cunhadas ou sobrinhas de autoridades importantes, visando à obtenção de algum favor especial. Era a alfinetada por tabela.


Um episódio típico ocorreu no Ceará, envolvendo um padre e o escrivão da Provedoria da Real Fazenda, Francisco Bento Maria Targini, que ficou indignado com o pedido a ele encaminhado pelo padre Elias Pinto de Azevedo solicitando o pagamento de uma gratificação por serviços supostamente prestados. Para externar sua indignação, o escrivão enviou ao padre um ofício com duras palavras:


"O documento que Vossa Mercê me remeteu para cobrar a sua côngrua do tempo de serviço que diz ter servido de vigário dessa povoação de Almofala, não é bastante para o dito efeito, visto que Vossa Mercê serviu sem as competentes provisões. A respeito de Vossa Mercê me oferecer 50 mil réis para os "alfinetes" da minha mulher, se me oferece dizer-lhe que ela quando veio de Lisboa trouxe já os alfinetes que lhe eram precisos para suas costuras no Ceará. Eu desculpo esta sua ousadia em atenção à sua idade, à sua demência e ao feio costume que até minha chegada se usava para se decidir semelhantes questões por dinheiro, por ter sido aqui a venalidade companheira inseparável dos magistrados e dos fiscais da Real Fazenda. Fique sabendo Vossa Mercê que isto é um crime horroroso e imperdoável. Deus guarde a Vossa Mercê. Vila da Fortaleza, 14 de dezembro de 1801. (a) Francisco Bento Maria Targini."


E haja alfinetes para tantas costuras!


 [email protected]

Comentários