Passado Imperfeito (I)

Por J. A. Moraes de Oliveira Olhei ao redor. Era ali, naquele mesmo local que acontecia a Festa do Divino. Todos os anos ? …

Por J. A. Moraes de Oliveira

Olhei ao redor. Era ali, naquele mesmo local que acontecia a Festa do Divino. Todos os anos - eu não lembrava o mês -  a igreja era iluminada com lâmpadas coloridas, armavam-se tendas de jogos e barracas de guloseimas ao longo da Avenida José Bonifácio.



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"Estimados  garotos e garotas:
A Festa do Divino era realizada (ou ainda é, não sei) na Igreja do Divino Espírito Santo, ali na Rua José do Patrocínio,  próximo à Praça Garibaldi e   ao Restaurante Copacabana (quem se lembra do  também divino novilho ao forno com batatas douradas acompanhado de rascatelli al sugo?). O ícone da Festa era o Estandarte do Divino, que saía à frente da procissão.
Em frente à Igreja do Divino ficava a prestigiada Transportadora Tom Mix, do senhor Záccaro. Por falar em Tom Mix, cow-boy  herói das histórias em quadrinhos do faroeste - e também do cinema - do qual o senhor Záccaro era fã de carteirinha?". (Sérgio  Gonzalez, Publicitário.)



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Quando a noite chegava, as luzes da igreja se acendiam, os motorneiros dos bondes Petrópolis, que vinham pela Oswaldo Aranha, tocavam a sineta e os motoristas dos Chevrolets de praça soavam suas buzinas.



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"Credo, Gonzalez!
A festa do Divino era realizada na José Bonifacio, frente à Capela do Divino, naquela área onde hoje acontece a parte de artesanato no bric da Redenção. Portanto no Bom Fim, bem onde o Moraes a descreveu. Não era "Estandarte do Divino" (estandarte é aquilo dos blocos de Carnaval e bandas militares). Era a "Bandeira do Divino". Antes da festa a Bandeira "visitava" as casas recolhendo donativos. Tinha uma pomba de prata no seu topo. Uma pequeníssima banda - dois sopros, um bumbo - muitas vezes acompanhava a Bandeira em sua jornada.


Os visitados e os passantes beijavam a bandeira ou as suas fitas. Reunia gente de todas as classes, desde os granfinos da José Bonifacio e da Independência, que freqüentavam a missa das 11 da vizinha Igreja de Santa Terezinha,  até o que hoje se chamaria de "povão".


Era a maior festa popular de largos de igrejas em Porto Alegre. Famosa pelos sorteios de cestas e outros brindes. Consagrada em sua popularidade entre as domésticas e afins, pela expressão "Mais faceiro que brigadiano em festa do Divino".
Deve ter durado até o começo dos anos 60 (talvez final dos 50), mas já minguando em sua "feérie" e interesse. Quando a Standard mudou para a José Bonifácio, 581 ("Entre a Cruz e a Espada", meu premiado anúncio) em 1970, a Festa do Divino era já remota lembrança. E havia um parquinho de diversões permanente no terreiro em frente ao mercado municipal". (Luiz Cama, Publicitário.)


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As carrocinhas de pipoca e de churros acendiam seus fogareiros, o carrousel ligava sua música de realejo e as pessoas começavam a encher a praça. Estava começando a Festa do Divino Espírito Santo.



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"Moraes e amigos,
Bem, tenho uma desculpa esfarrapada para minhas impropriedades históricas sobre a Festa do Divino: não sou gaúcho. Mas a Igreja do Divino Espírito Santo fica realmente na José do Patrocínio. E, pelo que sei, é onde começava a Festa.


Até estive em algumas, pois morava na João Alfredo, ali bem perto.
Sobre o estandarte, realmente o nome era Bandeira do Divino. Lembrei-me disso depois de enviar o e-mail. Mas como posso competir em conhecimentos sobre a Santa Madre Igreja com o excelso Cama, que, pelo que sei, já foi coroinha?". (Sérgio Gonzalez, Publicitário.)


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  A casa do tio Armando e da tia Ida ficava bem no meio do quarteirão, entre as igrejas do Divino e de Santa Terezinha. Tímido, eu apertava a campainha, sentindo o perfume adocicado do pé de jasmim-manga do jardim.


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"Meu caro Moraes,
Por ser teu leitor na Coletiva, estou acompanhando a "polêmica" sobre a Festa do Divino e tomo a liberdade de meter a minha colher. Como não conheço pessoalmente os demais destinatários, não me sent iautorizado a enviar a eles, se quiseres fazê-lo tens toda a liberdade.
Como não sou católico, acompanhava com curiosidade a comemoração. Posso dar meu testemunho sobre o que sei, pois seu Dilermando, pai de um amigo meu, era "festeiro". Não sei se essa condição era da igreja ou da festa, mas não é o relevante. O interessante é que a bandeira chegava na casa dele - na rua João Guimarães -, era carregada pela rua e as pessoas a beijavam com respeito e devoção. Daí a expressão: "Mais beijado do que a bandeira do Divino".


Não havia música, nem músicos. Mas isso é no meu tempo de guri, ali pelos anos 60. Talvez antes houvesse, o que parece natural numa festividade religiosa de caráter popular. A missa de 7º dia do genro do seu Diler foi nessa igreja e lá compareci. Outra pessoa que tinha atuação destacada junto à igreja do Divino era o pai de outro amigo meu, o dr. Marcelino Poli Espírito, bastante conhecido e recentemente falecido com mais de 100 anos de idade. Lembro também que durante as comemorações a igreja ficava toda iluminada. Com relação à igreja da José do Patrocínio, é a da Sagrada Família, e não do Divino. Portanto não há duas igrejas do Divino.


Perdoe a intromissão do teu leitor enxerido." (Leo Iolovitch, Advogado.)


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Mas quando entrava na sala obscurecida e com as janelas fechadas, eu sentia enjôo e vontade de vomitar. O cheiro forte de incenso estava em tudo, nas roupas dos tios e nas cortinas de veludo.


Depois dos beijos, abraços e de muitas perguntas sobre minhas notas na escola, o tio enfiava a mão no bolso do colete, onde guardava o Patek-Philippe de ouro, e de lá retirava duas notas dobradas exatamente no meio.



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"Prezado Cluster do Moraes:

Divina intervenção do dr.
Leo Iolovich, que - com este sobrenome, morando na João Guimarães e guri na década de 60 -, deve ter estudado no Ginásio Israelita, cuja construção, na segunda metade dos 50 acompanhei, morador que era da Domingos José de Almeida, freqüentador desde a fundação do Bar Café Trianon da Protásio 1.000, vis-a-vis com o Israelita. Onde vivemos a introdução do Bauru, do Sorvex Kibon, do Sonrisal, da Fanta e do mocotó de alta classe. O primeiro e legítimo Trianon, freqüentado pelos adolescentes e verdes adultos do Caminho do Meio, Santa Cecília e Baixo Petrópolis; pelos estudantes do curso noturno do Rio Branco, pelos malandros do Independente Futebol Clube (os mesmos jovens acima), pela patota à espera dos bailes de debutantes do Petrópole Tênis Clube ou das farras do Dinamite, ou da missa do galo do Padre Máximo na Santa Cecilia. E pelo Mario Quintana, que por lá aparecia às vezes.
Ligações com o tema:  o Trianon ficava na Protásio, um quilômetro adiante da Capela do Divino (a única). O Dr. Poli Marcelino Espírito deve ter parentesco, por parte de pai, com o Espírito Santo - o dito Espírito Santo, como sabemos, teve importante intervenção na vida da Sagrada Familia, cuja paróquia na José de Alencar foi confundida pelo Gonzalez com a capela da José Bonifácio? O que justifica o Gonzalez, mas confunde mais ainda o pobre José!"
(
Luiz Cama, Publicitário.)



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Eu me despedia e corria para as barracas da praça. Até a tenda das argolas, que ficava ao lado do carrousel, um pouco adiante da roda-gigante. No ano anterior, não conseguira enfiar nenhuma argola nas garrafas do estrado. Agora, eu queria mais - ganhar a prenda maior, só que para isso era preciso enfiar três argolas na garrafa mais alta - a mais difícil de todas.



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"Amigos,


Ele só se enganou de José: trocou o Bonifácio pelo Patrocínio. E a igreja, deve ser a do Sagrado Coração de Jesus, ou Sagrada Família. A do Divino sempre foi na esquina da José Bonifácio com Oswaldo Aranha. E a Festa do Divino segue firme, pelo menos na andança da bandeira pela casa das carolas. Eu sempre preferi os rollmops da Caverna do Ratão, ainda outro km acima. Do topo da Serra, "de a cavalo" e sem folia". (Paulo Hafner, Criador de Cavalos.)


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Era um jogo meio tolo e havia jogos mais divertidos nas outras tendas. Mas eu cismara de acertar todas as argolas na garrafa mais alta e levar a prenda para mostrar em casa e - o melhor de tudo - contar prosa para os colegas da escola.


Nas primeiras tentativas, já gastara a metade da semanada, sem enfiar uma única argola. O homem com um cigarro de palha apagado no canto da boca, parecia achar graça em meus desajeitados arremessos.

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