Pautas ruins, reportagens perversas

Por Aurelice Aguiar Para que um fato se torne notícia, ele precisa ser verdadeiro, concreto e que se sustente como algo de legítimo interesse …

Por Aurelice Aguiar
Para que um fato se torne notícia, ele precisa ser verdadeiro, concreto e que se sustente como algo de legítimo interesse público. Uma pauta mal elaborada, munida com um verdadeiro "saco de gatos", composto de factóides que não se interligam, vai gerar uma matéria igualmente mal elaborada, vazia e que só revela interesses que não estão dentro da ética do jornalismo. O avanço do fluxo de informações no cotidiano está tornando parte da imprensa preguiçosa e "achista", contentando-se com uma informação de baixa qualidade para construir reportagens perversas.
De carona na indústria do escândalo, que vende notícia e alavanca audiência, o mau jornalismo sapateia sobre a crise institucional e econômica, a violência urbana e outras tragédias cotidianas, extraindo para si a parte que lhe cabe do suco de bobagens que, sem o menor acanhamento, chama de jornalismo e estampa nos noticiários, como se fosse de interesse público, como se ali existisse algo além de produtos de fofocas maliciosas e detalhes abjetos que não traduzem a realidade dos fatos.
O mau jornalismo se constrói no decorrer do dia, quando a empáfia e a vaidade não permitem ao jornalista admitir que aquela ideia original de uma pauta bombástica não vai vingar, pois ali não tem notícia e o fato não se sustenta. Mas ele vai adiante e segue inconsequentemente, tentando enriquecer o seu texto e forçar a situação, para levar ao público a sua teoria da conspiração. Lá pelo final da tarde, a pressão das redações aumenta. Com o deadline apertado, ele já deixou para trás qualquer possibilidade de abortar a tola idéia de denegrir quem quer que seja para concluir o seu trabalho, que a essa altura, nem mesmo o próprio acredita mais. Mas não há tempo de recuar.
No dia seguinte, uma reportagem grande, com fotos, notas de assessoria, fatos isolados costurados sem habilidade, argumentos deficitários, parecem um balão de gás, que se avoluma, mas cujo conteúdo se esvai pelo ar. O mau jornalismo só consegue percorrer o caminho do mal. Porque, na sua precariedade moral e intelectual, junta trapos para tapar um buraco no seu noticiário?-?que ele mesmo abriu?-?mas é incapaz de estremecer a sua pseudo-superioridade, para evitar os estragos do dia seguinte. Na falta de substantivos, que dariam a verdadeira "substância" à sua história, ele deixa escapar adjetivos, arrisca deduções e manda a ética jornalística para a UTI, sem sequer enxergar os estragos do seu bombardeio silencioso, deixando gente inocente ferida e vidas viradas de pernas para o ar.
Para relembrar aos que já esqueceram, vale a releitura do juramento do jornalista: Juro exercer a função de jornalista assumindo o compromisso com a verdade e a informação. Atuarei dentro dos princípios universais de justiça e democracia, garantindo principalmente o direito do cidadão à informação. Buscarei o aprimoramento das relações humanas e sociais, através da crítica e análise da sociedade, visando um futuro mais digno e mais justo para todos os cidadãos brasileiros.
Aurelice Aguiar é jornalista.
conteú[email protected]

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